segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

O Historiador do Futuro
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Não sei se os amigos vão concordar comigo, mas ando com muita pena do historiador que no futuro resolver se debruçar sobre o Brasil. Acredito que terá uma ajuda inestimável da tecnologia, com certeza não vai precisar digitar, pensa e tudo aparece na tela de seu monitor. Monitor? Que sei eu, vai ver o pensamento já sai copidescado e impresso.
Será que isso vai ser a maravilha que eu estava imaginando? Ele vai ter que tomar muito cuidado com o que pensa e não vai poder desviar o pensamento do assunto nem um segundo. Imagina se no meio de um parágrafo pensa “mas ora vejam, esse cara era um bom isso ou aquilo”, e lá aparece a frase no meio do texto. Com toda certeza, porém, há de ter um mecanismo que rebobine o pensamento e acerte tudo. Ah! o progresso!
Lá está o historiador: verá que no Brasil de 2006, quase no fim do ano, o Presidente da República foi reeleito por mais quatro anos. Por ocasião da posse, faz um discurso inflamado, extremamente preocupado com a situação da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. “É terrorismo” diz ele. “São terroristas”, classifica assim os indivíduos que estão a queimar vidas humanas dentro dos ônibus, criminosos sem alma que ultrapassam o crime comum, que matam a torto e a direito, sem trégua, e que atentam, sim, contra a segurança nacional.
O historiador se prepara para estudar a visita que o Presidente fará ao estado assim mortalmente ferido. Para sua surpresa, verá que o homem toma outro rumo: segue para o Forte dos Andradas, praia de Guarujá, litoral do Estado de São Paulo. Acha que fez bem. Se há terroristas no Rio de Janeiro, para a proteção do líder máximo da Nação, é muito apropriado que vá se abrigar em um forte militar. A Nação, num ataque terrorista, deve proteger seu Chefe, não pode arriscar ficar acéfala.
Ao examinar a localização e as fotos do tal forte, o primeiro susto: em uma praia, um pequeno edifício de dois andares, todo envidraçado, com vista para as águas cristalinas de uma bela baía. E que faz o presidente, mal se instala no forte? Vai caminhar na beira mar, vai pescar, vai velejar. O que? Ora, o homem está de férias. “Férias?”, espanta-se o historiador. Toma posse, adverte a Nação contra o terrorismo que faz vítimas fatais e entra em férias?
Costumes estranhos. Aos poucos, porém, ele verá que nos idos de 2006, tudo era diferente. Um Procurador da República detido após ser gravado ao tramar a morte de um colega de Ministério Público; vereadores de uma cidade do interior filmados no momento em que recebem gorda propina e, felizes, cheiram a bolada, quando um deles solta a frase que retrata a década: “Dinheiro novinho, cheirosinho, hein?". No Estado do Rio, a senhora nomeada Secretária de Assistência Social do novo governo estadual, escolhe como assessor um cidadão acusado de beneficiário de um esquema chamado ‘mensalão’. Advertida, usa como justificativa: “Pensei que o assunto havia saído de pauta”.
Desse momento em diante, temo pela saúde mental do historiador. Mensalão? O que será isso? Um crime, com certeza. Com esse nome feio...Saído de pauta? Então o crime foi solucionado. Ele segue com a pesquisa. Aos poucos, verá que o Mensalão, os Sanguessugas, o Crime do Dossiê, o Mistério das Cartilhas Desaparecidas, não eram títulos de filmes de terror, como calculou no início de seu trabalho. Não... eram crimes ainda por solucionar, que não haviam ‘saído de pauta’ coisa nenhuma. Quer dizer, só não estavam mais nas primeiras páginas dos jornais, em parte tomadas pelas tragédias das enchentes e deslizamentos, mortes, vazamentos químicos, seca, desgraças, miséria.
Em parte? Sim, em parte. Apesar da gravidade das notícias, o assunto mais palpitante, mais apaixonante, que ocupa os corações e os dias dos políticos é um só: a presidência da Câmara dos Deputados. Esse é o ponto nevrálgico, o x da questão, a fonte de todas as benesses. Dessa eleição depende o sossego, o equilíbrio e o rumo do país. Isso tudo deixa nosso historiador perplexo. E, intrigado, corre com as notícias que lê, apressa o passo, por assim dizer. Quer ver o que fez, diante de tudo isso, o novel-antigo Presidente.
Continua em férias. Ele, mulher, filhos, noras, netos, amigos, no aprazível Forte dos Andradas, assim batizado em homenagem a uma das famílias fundadoras da Pátria Brasileira. Não sei se o historiador vai chegar à mesma conclusão que eu. Espero que não. Mas não é que nós conseguimos desmoralizar com tudo? Os Andradas não mereciam isso, não mesmo.
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Maria Helena Rubinato Rodrigues de Souza

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