segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

O FATOR CHAVEZ
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J. Carlos de Assis. Economista e Professor
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A roda da História recomeçou a mover-se na América Latina. Depois de mais de duas décadas de virtual congelamento dentro da ordem neoliberal, que levou ao extremo seus problemas crônicos de desemprego, subemprego e estagnação econômica, o sub-continente revive politicamente em busca de um projeto de desenvolvimento comandado pelo imperativo de superar seus gargalos econômicos e sociais históricos, e não pelas expectativas de ganhos espoliativos das elites financeiras locais associadas ao sistema financeiro internacional. A ressurgência de um projeto de esquerda latino-americano - inicialmente pelas mãos de Hugo Chavez, da Venezuela, logo reforçado por Nestor Kirchner, da Argentina, e agora incorporado por Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador -, enquadra-se perfeitamente naqueles processos dialéticos descritos por Marx e, antes dele, por Hegel, pelos quais a História marcha necessariamente por efeito de polarizações (teses e antíteses) e sínteses, seja no plano dos interesses materiais (Marx), seja no plano das idéias (Hegel). O surpreendente não foi a proclamação do “socialismo do século XXI”, de Chavez. Há muito que se configurou o fracasso do neoliberalismo imposto à América Latina pelas elites financeiras internacionais através das agências multilaterais, por elas dominadas, e pelos governos europeus ocidentais e dos Estados Unidos. A reação deveria surgir cedo ou tarde. Poderia ter surgido com conseqüências mais dramáticas a partir da eleição de Lula, no Brasil. O fato de não ter surgido apenas acentuou o fracasso do modelo neoliberal em mãos do próprio Lula. É evidente que o simples rótulo de “socialismo do século XXI” não constitui uma proposta política consistente. É uma espécie de marco ideológico visualizado quilômetros à frente para sinalizar a direção da caminhada. Esta, objetivamente, constitui por enquanto uma incógnita. Chavez certamente não quer substituir o capitalismo enquanto sistema econômico. Nessa altura do século, não dá para replicar o sistema soviético ou cubano. O que ele provavelmente busca é um modelo misto, pelo qual as empresas estratégicas são comandadas pelo Estado. É o que se chama de capitalismo regulado. Não é nenhuma novidade. Surgiu na Suécia, no início dos anos 30, ganhou forte impulso com o New Deal norte-americano e e consolidou-se no pós-guerra na Europa Ocidental com o nome de social-democracia. Esse sistema teria sido a escolha natural de um modelo de sociedade pelos antigos sócios quando a União Soviética desmoronou, não fosse a tremenda pressão política dos neoliberais ocidentais para impor as leis do mercado onde antes havia o socialismo real. A América Latina foi arrastada nessa onda. O Brasil teria sido decisivo numa reação, mas funcionou na direção do aprofundamento do modelo neoliberal. Com Collor, e mais conscientemente com Fernando Henrique, “escolhemos” abertamente a alternativa do mercado, privatizando inclusive empresas estratégicas, e adotando uma macroeconomia restritiva do crescimento. É importante notar que, no plano ideológico, os partidos da esquerda européia que sempre inspiraram a esquerda local também se tornaram neoliberais, o que dificultou a formulação de alternativas. Quando se observa a História recente em largos traços, o que se verificou, com o fim da União Soviética, não foi a derrota do socialismo real apenas, mas uma tentativa de esmagar a própria social democracia. Exemplo disso é o projeto da Constituição Européia, que coloca em pé de igualdade os princípios da defesa dos direitos humanos e do mercado não regulado. O que nos difere dos principais paises da União Européia é que eles já construíram o Estado do bem estar social, enquanto nós apenas esboçamos esse projeto, ainda assim com resistência forte dos conservadores. Por mais impreciso que seja o “socialismo do século XXI” de Chavez,sua simples proclamação serve para sacudir as consciências da América Latina e acender o debate político quanto ao nosso destino comum. Afinal, já é tempo de retomar o debate sobre que tipo de sociedade queremos ser, que tipo de Estado queremos ter, e que tipo de economia deverá suportar essa sociedade e esse Estado. É um engodo a idéia de que essa discussão, típica expressão da cidadania, é desnecessária porque já foi ou será resolvida pelo “mercado”.

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