segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Não matarás!

Uma piadinha feminista diz que Moisés, após libertar do Egito o povo esco0lhido, ficou quarenta anos vagando pelo deserto porque era homem, pois se fosse mulher certamente teria pedido informações pelo caminho. Uma anedota extremamente maldosa, é óbvio, certamente uma tentativa de desdenhar do nosso senso de direção mais apurado, sem falar da nossa evidente capacidade de liderança... Questões de gênero à parte, Moisés é um personagem central para o judaísmo e para o cristianismo, e tem sua importância inclusive para os seguidores do Islã. Em hebraico Moisés é Moshe, que significa “retirado das águas”, e se tornou príncipe egípcio após ser encontrado boiando numa cesta e ter sido adotado pela filha do Faraó. Aos quarenta anos foi obrigado a exilar-se, sendo necessários mais quarenta para ser indicado por Deus como o libertador de Israel. No caminho para Canaã, a Terra Prometida, Moisés retirou-se para o Monte Sinai onde recebeu das mãos de Deus um conjunto de leis que deveriam ser seguidas pelo Seu povo. Conhecidos como Dez Mandamentos, possuem textos e estruturas diferentes para judeus e cristãos, decorrentes dos interesses através da história e das conseqüentes interpretações feitas em nome deles. O texto hebraico é mais detalhista e reflete um Deus mais exigente e, até certo ponto, ciumento e preocupado com questões bastante mundanas. O décimo mandamento, por exemplo, diz “Não cobiçarás a casa do teu próximo, nem a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu touro, nem seu jumento, nem qualquer coisa que pertença ao teu próximo”. Como percebemos, este Deus machista equivale mulheres e jumentos, o que não é a coisa mais santa do mundo. Mas, admitamos, até Ele pode rever alguns conceitos e evoluir. A versão católica, adotada a partir da divisão feita por Santo Agostinho, é bastante sintética e ignora estrategicamente a recomendação “Não farás imagem esculpida, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra” do segundo mandamento hebraico. Para manter em Dez os mandamentos, no entanto, o décimo teve que ser dividido, indo mulheres e jumentos para lugares diferentes. No essencial, porém, são concordantes e constituem um código moral que proíbe o furto e o adultério, manda honrar os progenitores, guardar os domingos (ou os sábados, na versão original), ser casto, não blasfemar e amar a Deus. Proíbe de forma explícita e contundente o assassinato: para os hebreus a fórmula é “não assassinarás” e inclui o veto ao suicídio; aos cristãos a ordem também é taxativa, “não matarás”. Como muitos sabem, sou ateu. Não por culpa da minha mãe, que tentou me fazer um sujeito religioso. Informo, inclusive, que até a catequese ela conseguiu me obrigar a fazer (fato com comprovação iconográfica, até). Os verdadeiros culpados são os livros e as reflexões que eles catalisam. Talvez seja por isso que a Igreja tenha o tal do Index e que os nazistas os queimaram em praça pública. Mas ser ateu não me faz um homem sem fé. Crer é uma capacidade humana da qual não podemos abdicar, mesmo que a crença seja na própria humanidade e nas suas possibilidades mais positivas. Também não me excluiu totalmente dos que se dizem cristãos, simplesmente porque a cultura na qual cresci é cristã e ocidental. Contraditório? Não, sincrético. E certamente ajuda a explicar minha opção ideológica pelos Direitos Humanos, contra os preconceitos que a ignorância cristalizou e que a pequenez da mídia ajuda a alimentar. É por isso que me “caem os butiás do bolso” quando vejo vetustas senhoras e respeitáveis senhores de banho tomado para ir à missa aplaudirem a execução de Sadam Hussein, bradarem pela pena de morte ou se deliciarem com um linchamento. O ateu sou eu, mas os que fazem o sinal da cruz e comungam nos domingos é que não respeitam o “não matarás”? Quem é mais cristão, eu ou o conjunto de alienados que confundem sua religiosidade com valores anti-humanistas? Sinceramente, se Jesus Cristo viesse a Terra novamente, alguém supõe que a pena de morte estaria entre seus ensinamentos? Sadam era um criminoso, dos piores, merecia a cadeia, como também Pinochet, Franco, Médici, Stálin e outros. Porém, matar qualquer um deles é assumir culpa semelhante, enlamear-se nos mesmos crimes que cometeram e poupar-lhes anos de dolorosa reclusão. Contra o “ele mereceu” que nos sai com tanta naturalidade há um remédio e ele se chama civilização. Informo, para finalizar, que “olho por olho, dente por dente” não faz parte dos Dez Mandamentos. Podem verificar, não se constranjam. E, depois de lerem e pensarem, das duas optem por uma: troquem de religião ou sigam o que ela prega.
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Luciano Ribas

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