terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Carta Imaginária a Luiz Inácio Lula da Silva
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Em um regime democrático, as opiniões de um Presidente, de imediato, merecem crédito, respeito e atenção. Mas, como o mais alto cargo da República não garante ao governante o acesso à verdade e o reto exercício da razão, suas palavras devem, sempre, ser examinadas e ponderadas por seus governados. Quando formulações do governante suscitam dúvidas e estranhezas, precisam ser esclarecidas no debate público. De forma respeitosa, Senhor Presidente, busco isto nesta breve carta que lhe dirijo. Duas afirmações de seu discurso, proferido por ocasião da homenagem que a revista IstoÉ lhe prestou, dias atrás, causaram-me dúvidas e preocupações. Foram elas: “Quando a gente tem 60 anos, é a idade do ponto de equilíbrio, porque a gente não é nem um nem outro” (i. é, nem de direita nem de esquerda) e “Se você conhece uma pessoa muito idosa que seja de esquerda, é porque ela está com problemas”.Como nunca privei de sua intimidade, não me atreveria a lhe indagar quais seriam meus “problemas”. (Digo isso, pois ultrapassei a barreira dos 60 anos de idade e, até o presente, não abri mão de minhas convicções ideológicas de esquerda – de forma mais explícita e sem ambigüidades, de natureza socialista – que comecei a cultivar desde minha juventude.)
No entanto, como o digno Presidente da República priva da amizade de personalidades como Antonio Candido, Oscar Niemeyer, Clara Charf, Marilena Chaui (além de conviver, até recentemente, com Jacob Gorender, Plínio de Arruda Sampaio, Francisco de Oliveira e outros que ajudaram a construir o Partido dos Trabalhadores) – tendo todos eles mais de 60 anos –, creio que seria justo lhe indagar: quais são os problemas que estas importantes figuras da cultura política brasileira, reconhecidamente de esquerda, atualmente, sofrem? Pessoalmente, como tenho interesse em tirar proveitos dos conselhos vindos dessa Presidência, desejaria saber o que V. Sa. então recomendaria a estas pessoas: um simples acompanhamento psicológico ou, no caso de alguns deles, um urgente tratamento psiquiátrico?
Lembrando de outros antigos companheiros seus, também indagaria: Apolônio de Carvalho, Florestan Fernandes e Mário Pedrosa – que até o fim de suas combativas vidas jamais abdicaram de suas convicções de esquerda – teriam morrido com graves problemas de ordem pessoal e moral?Ou, pelo contrário, apenas se engrandeceram e se tornaram dignos de nossa admiração e respeito pelo fato de – ao longo de suas valorosas existências – jamais deixaram se corromper com as seduções e os encantamentos que a ordem burguesa reserva àqueles que, hoje, afirmam estar ultrapassados os antagonismos e as distinções entre esquerda e direita?Atenciosamente,.
Caio Navarro de Toledo é professor de Ciência Política

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