A esperança morreu, viva a esperança!
.Um tipo particular e novo de dificuldade se agregou ao território pedregoso da luta por mudanças: as lideranças cooptadas pelo continuísmo e as ferramentas forjadas para a mudança que viraram o fio continuam operando no jogo da trapaça e das cartas embaralhadas.
O pessimismo da razão manda dizer que 2006 foi o ano das esperanças sufocadas. Um desastre. Os militantes da esquerda brasileira - os que teimam na luta por mudanças na ordem social excludente - viveram momentos de dolorosa provação. Foi um ano triste. O povo trabalhador voltou a ter medo de ser feliz. Carrega o peso do Brasil nas costas e tolera o tacão do continuísmo, mais temeroso do que esperançoso, reduzido ao papel de platéia que “aplaude e ainda pede bis”.Um ano sombrio, onde as forças sociais se moveram atravancadas pelo pesado manto do medo. Ao contrário da esperança que alegrou o pleito anterior, a tristeza do medo governou os resultados das eleições gerais deste ano. A grande política, aquela que debate projetos e mobiliza cidadãos, cedeu espaços para as máquinas eleitorais do interesse puro. Resultado: a primazia absoluta do poder econômico que tudo avassala – os executivos, os legislativos e os judiciários - e nos arrasta para o lado contrário da saída. A economia seguiu estagnada. O modelo neoliberal, matriz de todas as nossas desgraças, não mudou. O cerne do governo, plugado no piloto automático da casta financeira, patrocinou o apequenamento da política que, apropriada pelos magnatas do poder privado, produziu uma fieira inesgotável de escândalos. Sanguessugas, mensaleiros, o corporativismo de privilégios nos altos escalões da República: o mau exemplo veio de cima aos borbotões. A crise social explodiu petardos de violência no campo e nas cidades. Foi um ano de cão. E ainda por cima, perdemos a copa do mundo. Lá também, ao se abaixar para ajeitar o pé-de-meia dos patrocinadores, o Brasil levou bola nas costas. Esteve em curso uma perigosa reversão de expectativas, que estimula a apatia social e faz aumentar a descrença na política como instrumento de mudança na vida real da população. Cresceu, também em função disso, a “rebeldia” pré-política da criminalidade que aniquila os jovens e impõe sofrimento e dor principalmente aos mais pobres. Um tipo particular e novo de dificuldade se agregou ao território pedregoso da luta por mudanças: as lideranças cooptadas pelo continuísmo e as ferramentas forjadas para a mudança que viraram o fio continuam operando no jogo da trapaça e das cartas embaralhadas. A luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, o dia não veio, o riso não veio, não veio a utopia. E agora, Drummond? A outra página infeliz da nossa história ainda não foi virada. Ainda não veio o Brasil da justiça social, do alargamento dos espaços da cidadania e da participação popular. Mas o anseio de mudança é uma substância larga e luminosa. É luz de eterno esplendor, agoniza, como o samba de Candeia, mas não morre. Nem se deixa atolar no caminho lamacento que transita entre o fisiologismo e o mito. O otimismo da vontade manda dizer que, em 2007, a esperança há de renascer em outros ninhos e lugares. O sonho acordado e vigilante, que ajusta as velas do barco para manter o prumo contra os ventos desfavoráveis, atende pelo nome de “princípio esperança”. É ainda ele que irá nos fornecer o roteiro para travessia turbulenta: sair do pântano onde o ano de 2006 ficará definitivamente enterrado. A nossa missão é de recomeço. A esperança morreu, viva a esperança!
Léo Lince é sociólogo
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