Um palanque na Esplanada
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Tancredo Neves ensinava que não se deve nomear quem não se pode demitir. Por isso, não nomeava parentes - nem seus, nem de amigos mais próximos. Se precisasse tirá-los, por alguma razão funcional, criaria uma crise doméstica.
No governo que não chegou a assumir, evitou colocar em seu ministério (herdado por Sarney) potenciais candidatos à sua sucessão. Como demiti-los sem provocar uma crise política na sua própria base? Por essa razão, manteve à distância de seu staff o nome mais influente de seu partido, Ulysses Guimarães.
Lula não segue essa sábia lição. Acaba de nomear para o Ministério do Turismo a ex-prefeita Marta Suplicy, que chega ruidosamente como pré-candidata a dois cargos de primeira linha: a prefeitura paulistana, em 2008, e à sucessão presidencial de 2010. E chega pedindo que sua pasta, secundária no espectro ministerial, seja incrementada, pois, do jeito que está, não funcionará como plataforma eleitoral.
Ora, se não atender à ministra, inflando o cofre de sua pasta, Lula abrirá frente de atritos com ela própria e com os que a querem disputando aquelas eleições. Se atendê-la, brigará não apenas com os demais candidatos potenciais de sua base, como com os demais ministros, que se sentirão desmerecidos politicamente.
Outro axioma está sendo aí ignorado – desta vez por Marta: o de que não se deve colocar a carroça adiante dos bois. Sabe-se que, em política, açodamento resulta em antecipação da guerra. Sucessão presidencial é guerra. Quem primeiro se expõe ao sol e ao sereno é o primeiro a ser bombardeado, por todos os lados.
O ex-ministro José Dirceu, que no curto período em que exerceu o poder mostrou ignorar como poucos os seus mistérios, precipitou-se e pagou caro por isso. Assumiu a chefia da Casa Civil como superministro, candidato ostensivo à sucessão. Saiu pela porta dos fundos, cassado, na segunda metade do mandato.
Fazia questão de ser visto e identificado como o ministro que mandava no presidente. O Superzé. Dava entrevistas em tom agressivo, mandava recados duros aos correligionários, ocupava ostensivamente todos os espaços.
Brigava em público com os ministros da área econômica, querendo impor-lhe diretrizes, como se estas emanassem do próprio presidente da República. Não emanavam, como se viu depois.
Dirceu chegou a incluir-se em todos os grupos de trabalho interministeriais formados para dar agilidade a projetos governamentais. O resultado é que, não sendo ele o super-homem, não comparecia à maioria das reuniões, e aqueles grupos, idéia engenhosa, acabaram não funcionando.
A história ensina que as eminências pardas são, acima de tudo, discretas. Aparecem o mínimo possível – e falam ainda menos. São, acima de tudo, eficientes. Agem – e muito – na sombra. Não se gabam de influir: apenas influem. A ministra Dilma Roussef, sucessora de Dirceu na Casa Civil, exerce influência bem superior à dele, e o faz sem ostentações.
Com Dirceu, Lula viu-se na circunstância que Tancredo recomendava evitar. Não tinha coragem de demiti-lo. Caíra na cilada de nomear alguém que lhe infundia temor reverencial. Já na primeira mancada de Dirceu, o escândalo Waldomiro Diniz, Lula teve que absorver o desgaste da situação por não ter peito para defenestrá-lo.
Ninguém duvida de que, fosse outro o ministro, e Lula teria estancado aquela hemorragia na hora, demitindo-o. Não o fazendo, submeteu-se a um longo período de anemia política, que desembocou na crise do Mensalão, que quase o leva ao impeachment.
Com Marta, Lula reincide no erro de nomear alguém que sonha com o seu lugar. Alguém que não fará do cargo que ocupa uma instância de assessoria administrativa do presidente (como deve ser um ministério), mas um palanque estratégico para funcionar como atalho para o próprio Palácio do Planalto.
Terá nela um adversário íntimo – e um ministro a menos.
Ruy Fabiano é jornalista
Tancredo Neves ensinava que não se deve nomear quem não se pode demitir. Por isso, não nomeava parentes - nem seus, nem de amigos mais próximos. Se precisasse tirá-los, por alguma razão funcional, criaria uma crise doméstica.
No governo que não chegou a assumir, evitou colocar em seu ministério (herdado por Sarney) potenciais candidatos à sua sucessão. Como demiti-los sem provocar uma crise política na sua própria base? Por essa razão, manteve à distância de seu staff o nome mais influente de seu partido, Ulysses Guimarães.
Lula não segue essa sábia lição. Acaba de nomear para o Ministério do Turismo a ex-prefeita Marta Suplicy, que chega ruidosamente como pré-candidata a dois cargos de primeira linha: a prefeitura paulistana, em 2008, e à sucessão presidencial de 2010. E chega pedindo que sua pasta, secundária no espectro ministerial, seja incrementada, pois, do jeito que está, não funcionará como plataforma eleitoral.
Ora, se não atender à ministra, inflando o cofre de sua pasta, Lula abrirá frente de atritos com ela própria e com os que a querem disputando aquelas eleições. Se atendê-la, brigará não apenas com os demais candidatos potenciais de sua base, como com os demais ministros, que se sentirão desmerecidos politicamente.
Outro axioma está sendo aí ignorado – desta vez por Marta: o de que não se deve colocar a carroça adiante dos bois. Sabe-se que, em política, açodamento resulta em antecipação da guerra. Sucessão presidencial é guerra. Quem primeiro se expõe ao sol e ao sereno é o primeiro a ser bombardeado, por todos os lados.
O ex-ministro José Dirceu, que no curto período em que exerceu o poder mostrou ignorar como poucos os seus mistérios, precipitou-se e pagou caro por isso. Assumiu a chefia da Casa Civil como superministro, candidato ostensivo à sucessão. Saiu pela porta dos fundos, cassado, na segunda metade do mandato.
Fazia questão de ser visto e identificado como o ministro que mandava no presidente. O Superzé. Dava entrevistas em tom agressivo, mandava recados duros aos correligionários, ocupava ostensivamente todos os espaços.
Brigava em público com os ministros da área econômica, querendo impor-lhe diretrizes, como se estas emanassem do próprio presidente da República. Não emanavam, como se viu depois.
Dirceu chegou a incluir-se em todos os grupos de trabalho interministeriais formados para dar agilidade a projetos governamentais. O resultado é que, não sendo ele o super-homem, não comparecia à maioria das reuniões, e aqueles grupos, idéia engenhosa, acabaram não funcionando.
A história ensina que as eminências pardas são, acima de tudo, discretas. Aparecem o mínimo possível – e falam ainda menos. São, acima de tudo, eficientes. Agem – e muito – na sombra. Não se gabam de influir: apenas influem. A ministra Dilma Roussef, sucessora de Dirceu na Casa Civil, exerce influência bem superior à dele, e o faz sem ostentações.
Com Dirceu, Lula viu-se na circunstância que Tancredo recomendava evitar. Não tinha coragem de demiti-lo. Caíra na cilada de nomear alguém que lhe infundia temor reverencial. Já na primeira mancada de Dirceu, o escândalo Waldomiro Diniz, Lula teve que absorver o desgaste da situação por não ter peito para defenestrá-lo.
Ninguém duvida de que, fosse outro o ministro, e Lula teria estancado aquela hemorragia na hora, demitindo-o. Não o fazendo, submeteu-se a um longo período de anemia política, que desembocou na crise do Mensalão, que quase o leva ao impeachment.
Com Marta, Lula reincide no erro de nomear alguém que sonha com o seu lugar. Alguém que não fará do cargo que ocupa uma instância de assessoria administrativa do presidente (como deve ser um ministério), mas um palanque estratégico para funcionar como atalho para o próprio Palácio do Planalto.
Terá nela um adversário íntimo – e um ministro a menos.
Ruy Fabiano é jornalista
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