terça-feira, 20 de março de 2007

SERVIÇOS PÚTRIDOS


Marcos Arruda

Cena Um


Disco 195. Ocupado. Tento várias vezes ao longo de uns 20 minutos. Afinal, trrrrrimmmmmmmmm.
- Cedae, bom dia. Para consertos, aperte 1... para reclamações, aperte .
Quando afinal consigo falar com um ser humano, digo:
- Eu gostaria de dar parte de um escapamento de água na casa no. 107 da Rua João Afonso, no Humaitá. Há vários dias a água escapa por um buraco no encanamento, bem perto do relógio que marca a entrada da água.
- O relógio gira?
- Gira sim. Mas o vazamento já deve ter desperdiçado milhares de litros de água cada dia!
- Para nós isto não importa, porque o inquilino está pagando!

Cena Dois

Salto do carro ao lado de um orelhão duplo, na rua Martins Ferreira. Coloco o cartão telefônico na fenda. O telefone não funciona. Vou para o outro. Mesma coisa.

Pago dois reais para deixar o carro atrás da Cobal. Busco o orelhão próximo à esquina da São Clemente com a Rua Marques. Ele não funciona. Entro na Cobal e busco o orelhão. Ele não funciona.

Martinha, minha irmã, se mudou sábado passado. Havia combinado com a Telemar-Oi de eles fazerem na sexta-feira a transferência da linha da casa antiga para o novo apartamento. Não veio ninguém e ela está sem telefone e sem internet para o fim-de-semana. Ela depende de ambos para o seu trabalho de intérprete.

Interrupções no uso do Velox têm impedido que trabalhemos com a presteza e agilidade que os beneficiários esperam de nós: eu, como consultor econômico, pesquisador e educador, minha mulher como professora e tradutora, meu filho fazendo trabalhos de grupo com colegas, todos nós usando a internet e o correio eletrônico. Em fevereiro passamos cinco dias sem o serviço Velox, que é da Telemar-Oi, privatizada, concessionária monopolista de um serviço essencial nesta e noutras regiôes do país.

Cena Três

Somos vários no ponto do ônibus, na esquina da Voluntários com a Rua Dona Mariana. Várias senhoras esperam pela condução que lhes sirva. Quando afinal o ônibus de uma delas chega perto do ponto, ele vem por fora. Ela se agita. Tem cerca de 75 anos, e não consegue atrair a atenção do motorista com seus gestos ansiosos. O ônibus passa ao lado do que está no ponto e segue adiante, deixando-a para trás, frustrada e impotente.

Chega o meu ônibus. Espero que ele se aproxime do ponto. Ele está atrás de dois outros, que estão parados no ponto. De repente, o trânsito na segunda pista esvazia, o ônibus sai detrás dos outros e arranca, passando ao lado dos outros e enquanto eu fico gesticulando e assoviando no vazio.

Afinal, tomo o ônibus seguinte, uns dez minutos depois. Pergunto ao motorista:

- Está muito quente aqui dentro! Como é que o senhor aguenta trabalhar assim?
Ele coloca a mão no capô do motor e diz:
- Veja como isto aqui aquece. Como é que minha cabeça pode trabalhar bem se está sendo cozinhada pelo calor e pelo barulho durante mais de oito horas por dia?

Os ônibus que servem a cidade do Rio de Janeiro, são construídos sobre chassis de caminhão, pelas grandes transnacionais automobilísticas. Por isso, o motor é na frente e dentro do ônibus, infernizando motorista e passageiros com calor e barulho acima do tolerável. Se a isto se acrescentam os freios mal regulados, que assoviam cada vez que o motorista tem que fazer o ônibus diminuir a velocidade ou parar, temos aí uma combinação literalmente intolerável. Recordemos que as linhas de ônibus são concessionárias privadas da Prefeitura Municipal. É ela a responsável por garantir os bons serviços dessas linhas ao público.

Cena Quatro

Ponho o carro em marcha para descer a rua João Afonso. A rua ainda é calçada com paralelepípedos. Isto não seria problema, se a Prefeitura tivesse um serviço de manutenção alerta e eficiente, como é o caso da Prefeitura de Paris em relação a grande parte das ruas e praças da cidade, que também são calçadas com paralelepípedos. Quando dirijo o carro para o meio da rua, o peito de aço que protege o chassis raspa nas pedras fazendo um barulho arrepiante de metal sendo ferido.

A rua está dilacerada como se tivesse havido um bombardeio aéreo localizado sobre ela. A parte da rua em que moramos é uma ladeira de uns 40 graus de inclinação. Em frente do número 80 existe uma área de pedras deslocadas, colocadas dentro do buraco que as contém sem qualquer arranjo ou fixação. A área cobre metade da largura da rua de uma calçada à outra. Em frente do número 75 existe um buraco sem pedras, de uns 40cm de profundidade e meio metro de largura, bem no meio da rua. Algumas partes da rua apresentam corcovas, pois a terra sob o calçamento deslizou com as chuvas abundantes do mês de janeiro, deslocando os paralelepípedos e facilitando seu desprendimento. Alguns deles estão pousados no meio fio, e alguns moradores e outros motoristas que estacionam nesta rua (professores do Colégio Pedro II e do Pedrinho são os mais frequentes) os utilizam para calçar as rodas a fim de que não deslizem.

A presença desses dois colégios na esquina e no interior da rua João Afonso são um tormento para os moradores da parte alta da rua. Todo dia de aula, de 7h30 às 8h, de 12h30 às 13h e de 17h30 às 18h é quase impossível sairmos de carro porque as vans e os carros que trazem os alunos e alunos bloqueiam o trânsito. Muitas vezes há conflito entre quem sobe e quem desce. Um só carro de um motorista indignado é capaz de bloquear a rua de 10 a 15 minutos, porque ele quer a prioridade de passagem. Os podres poderes do Município jamais tomaram conhecimento das nossas queixas. Os moradores já fizeram abaixo-assinados e petições, sem obter qualquer retorno.

Conclusão

Quanto o Estado é privatizado, corrupto, podre, os serviços deixam de ser públicos para tornarem-se pútridos.

Nenhum comentário: