quarta-feira, 14 de março de 2007

Todos Neros
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Jornal do Commercio
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Há 2010 anos, um imperador romano com pendores artísticos foi acusado de incendiar Roma para levá-la à modernidade. O imperador acusou os cristãos de terem cometido o crime, mas aproveitou o desastre para realizar a primeira reforma urbana, até hoje considerada uma das maiores de todos os tempos.Graças ao incêndio na sua cidade, Nero levou a modernidade a Roma.
O século XX fez o contrário. Agora, o progresso incendeia o mundo. Não mais uma cidade, agora o que arde é o planeta, graças ao uso indiscriminado dos produtos dos tempos modernos.
Além da ordem inversa ¿ a progredir para incendiar, em vez de incendiar para modernizar ¿, e das proporções ¿ a queima do planeta em vez de uma cidade ¿, o aquecimento global tem mais uma diferença ¿ hoje não existe um único Nero para ser acusado.
Cada um de nós é um pequeno Nero. Alguns são Neros grandes, como os governantes; outros, entre esses, são Neros ainda maiores, como os dirigentes dos países ricos, ou dos países com flrestas. Um deles é o Nero maior, o Presidente norte-americano, que se recusa a admitir a catástrofe do grande incêndio. Porém, considerando os níveis distintos de responsabilidade, nenhum de nós está isento.
Somos todos pequenos Neros, contribuímos diariamente para incendiar o planeta. E o fazemos sabendo que o resultado não vai nos trazer uma civilização melhor, como aconteceu com Roma, que ressurgiu mais bela depois do incêndio.
Incendiamos o planeta cada vez que damos a partida no nosso automóvel. Cada vez que deixamos aberta a torneira por mais tempo do que o necessário. Cada vez que lançamos lixo em local inadequado. Sempre que estimulamos, ou toleramos, o avanço da área de produção agrícola sobre as florestas. Toda vez que derrubamos árvores, seja para exportação, seja para a fabricação de bens supérfluos, ou para queima nos altos fornos das siderúrgicas.
Conta a história que Nero ficou na varanda do seu palácio, tocando lira, deslumbrado com o incêndio, antevendo os novos prédiosque surgiriam. Da mesma forma ficamos nós, nas nossas salas, deslumbrados com as manchetes que apontam as taxas de crescimento baseadas no progresso, antevendo o aumento no nosso consumo.
O incêndio de Roma levou à sua reconstrução, e Nero cortou seu pescoço três anos depois. Agora, a civilização não será recuperada em um padrão superior, nem nenhum pescoço será cortado para interromper a marcha da insensatez. Caminhamos para o grande incêndio global como pequenos Neros, insaciáveis, sem olhar adiante.
Felizmente, começa a haver movimentos querendo impedir essa marcha. O filme Uma Verdade Inconveniente, do ex-vice-presidente Al Gore, tem este efeito positivo de alerta. A França elegerá seu presidente nos próximos meses. Todos os candidatos à Presidência daquele país assinaram um documento, comprometendo-se a cumprir uma rígida política de defesa do meio ambiente.
Esse é um exemplo de ação política que põe os interesses de longo prazo do país na frente dos interesses imediatos e específios de cada grupo. É uma pena que na eleição de 2006, nós, os candidatos a presidente do Brasil não tenhamos assinado um documento desse tipo. Felizmente, na democracia, sempre há esperança.Daqui a menos de quatro anos haverá outra eleição no Brasil. Esperemos que os candidatos brasileiros sigam o exemplo francês, e mostrem que estão dispostos deixar de ser Neros.
* Professor da Universidade de Brasília, Senador pelo PDT / DF.

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