quinta-feira, 23 de novembro de 2006

EDITORIAL DA FOLHA DE SP
.
DANE-SE O PÚBLICO
.
23.11, 10h53
.
Ficou exaltado o presidente da Petrobras na terça-feira. Não se sabe se as notícias a respeito de patrocínios "companheiros" oferecidos pela estatal complicaram a chance de Sergio Gabrielli ocupar um ministério no segundo mandato -mas o fato é que ele ficou bastante destemperado. O que deveria ser uma entrevista coletiva para explicar alguns contratos e convênios da petroleira tornou-se algo mais próximo de uma sessão de vitupérios.
.
Gabrielli acusou órgãos de imprensa de praticarem "uma campanha orquestrada contra a Petrobras". Nomeou-os: esta Folha e "O Globo" -que publicaram reportagens revelando intrigantes conexões entre prestadoras de serviço à estatal, transferências de recursos da Petrobras a ONGs sem licitação e a campanha petista. Os dois jornais teriam sido "irresponsáveis" e praticado "jornalismo marrom".
.
O escárnio para com a opinião pública ficou patente na frase "Evidentemente, você não é uma pessoa bem-vinda aqui", dita por Gabrielli, um servidor do Estado, ao repórter do jornal carioca ali presente.Seria compreensível a ira de Gabrielli caso o petista houvesse demonstrado ter sido vítima de injustiça nas reportagens contra as quais vociferou. Nas poucas vezes em que apresentou argumentos em vez de impropérios, no entanto, nada do que disse passou perto de desautorizar o trabalho jornalístico nesse caso.
.
O fato é que, como mostrou esta Folha na edição de terça, políticos do PT receberam neste ano R$ 2,5 milhões em doações eleitorais de cinco empresas associadas à ONG Abemi que mantêm contratos com a estatal. A Abemi, por sua vez, assinou um convênio de R$ 228,7 milhões com a Petrobras, sem licitação, para treinar 70 mil pessoas.
.
Outro fato, revelado por "O Globo" no domingo, é que a estatal transferiu ao menos R$ 31 milhões, a títulos vários, a organizações não-governamentais que apoiaram a campanha pela reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Detectou-se curiosa concentração dessas ações em Sergipe, onde o ex-presidente da estatal José Eduardo Dutra concorreu ao Senado, tendo sido derrotado (campanha 68% financiada por empresas que têm negócios com a petroleira estatal).
.
Todas essas parcerias com organizações "companheiras" -mais um episódio de aparelhamento do Estado que persiste, na gestão petista, como fruto da impunidade- dispensaram licitação pública. O critério adotado foi, nas palavras de Gabrielli, "o trabalho que as ONGs fazem".
.
O dirigente da estatal acha que R$ 31 milhões são quantia irrelevante se comparada ao "impacto" total dos mais de R$ 20 bilhões em investimentos da Petrobras. Também considera ser um exercício de "mau jornalismo" recorrer à prestação de contas de campanha, identificar as empresas que fizeram doações ao partido governista e buscar suas relações com a Petrobras.
.
O episódio ilustra o grau de desrespeito na cúpula do Executivo federal para com o direito do cidadão de saber o que é feito do seu patrimônio.

Nenhum comentário: