quinta-feira, 3 de maio de 2007

Escrever é buscar a precisão

Recentemente, estampava uma página de importante jornal eletrônico a seguinte manchete: "Kim Basinger tem segurança para proteger filha de Alec Baldwin". Aos que têm acompanhado a vida dos artistas de cinema talvez a compreensão da frase tenha sido imediata; àqueles que dependiam desse texto para entender o que se passava a frase provocou ambigüidade, o que, em outras palavras, significa ruído na comunicação.O caso em questão é o seguinte: Kim Basinger e Alec Baldwin são os pais da garota que está sendo protegida por um segurança. O casal, já separado, vem enfrentando desentendimentos. Baldwin teria sido rude com a filha, que aparentemente o rejeita, o que teria motivado a mãe a contratar o referido segurança para protegê-la do comportamento estouvado do próprio pai.Muito bem. Um leitor desavisado poderia entender apenas que Kim Basinger contratou um profissional para proteger uma garota que é filha de Alec Baldwin, o que, embora, rigorosamente, não seja uma inverdade, está longe de ser a notícia. O que se pretende dizer é que a mãe entende que a filha deva ser protegida contra o próprio pai e, para isso, passou a fazer uso dos serviços de um segurança.A palavra responsável por tamanha confusão é a preposição "de". Com muitos usos diferentes, o "de" serve tanto para exprimir relação de posse ("filha de Baldwin") como para introduzir o complemento indireto do verbo "proteger" ("proteger de Baldwin"). Normalmente, o contexto é suficiente para distinguir um emprego de outro, mas, nesse caso, a ordem das palavras levou à ambigüidade. Para evitar o duplo sentido, o redator deveria ter empregado a expressão "proteger de Baldwin", o que conduziria a uma frase como: "Kim Basinger tem segurança para proteger de Alec Baldwin a filha". Mais clara ficaria a notícia se o redator se dispusesse a informar que a garota é filha dos dois. Bastaria, então, acrescentar a expressão "do casal". Assim: "Kim Basinger tem segurança para proteger de Alec Baldwin a filha do casal".Há, naturalmente, outras construções capazes de transmitir a mensagem com clareza. Talvez a solução mais simples fosse substituir a preposição "de" pela preposição "contra", também cabível no contexto. Nesse caso, obteríamos o seguinte: "Kim Basinger tem segurança para proteger a filha contra Alec Baldwin". Assim como alguém se protege da chuva ou contra a chuva, a menina poderia proteger-se do pai ou contra o pai. A construção anterior a essa tem um ganho de clareza porque informa ser a menina filha do casal famoso. Como vemos, escrever é escolher não só as palavras mas também as construções, a disposição dos termos na frase e os elementos de ligação. Há diversos elementos que atuam simultaneamente para garantir a clareza da expressão. O caminho ideal é a busca da precisão.
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Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa, é autora de "Redação Linha a Linha" (Publifolha), "Uso da Vírgula"(Manole) e "Manual Graciliano Ramos de Uso do Português" (Secom-AL) e colunista do caderno "Fovest" da Folha

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