sábado, 19 de maio de 2007

Crônica do Márcio

AMOLAÇÃO MOLAR
Meu personagem preferido, “João dos Sonhos Azuis” mora em um bairro esquecido e abandonado da cidade que leva o sobrenome de seus fundadores e fica perto do “campo santo” municipal, numa rua ladrilhada com um calçamento “meia boca”, batizada com nome de país e sua residência fica bem em frente a uma boca-de-lobo entupida há anos. Apesar disso, seu modesto e querido bairro tem um posto de saúde muito bem equipado com enfermeira, médico e dentista extremamente contentes trabalhando única e exclusivamente para o bem do povo (...acorda tchô! Isso é utopia!!)...
Certo dia, reunido com sua família, João estava a comer pinhão assado na chapa do fogão de lenha: um deles assou demais e ficou duro o suficiente para destruir a obturação de seu dente... Uma lástima! Mas continuou comendo , mesmo com o panelão do molar aberto, tentando mastigar do outro lado.
Porém, no dia seguinte, a cada alimento que se aproximava de seu molar inferior esquerdo, o dente pesteado respondia com uma fisgada irresistível de tirar água do “zóio”... A solução era procurar um dentista. Foi o que ele fez: Tirou seu fusca azul da garagem de lona provisoriamente definitiva e dirigiu-se até o posto de saúde. A moça, muito simpática lhe dá uma resposta um tanto antipática:
“Dentista para adultos só no bairro vizinho. Corra até lá que você ainda consegue encontrar o posto aberto e poderá marcar uma consulta para amanhã.”
“Tudo bem!” - Pensou João lá com seus sonhos da cor de seu besourinho da Volksvagen, afinal já esperou e perdeu um dia de trabalho, não custava perder mais um dia e a cesta básica do mês para se livrar da amolação de seu molar, apesar de observar que não tinha uma “alma viva” esperando para ser atendida naquele momento.
Chegando ao bairro vizinho, encontra uma rotina um pouco diferente. A simpatia da atendente é a mesma, porém o posto parece estar mais movimentado com algumas pessoas na fia esperando a vez. Nosso querido sonhador com dor de dente explica a situação e as razões que o levaram até aquele posto e recebe uma resposta com o mesmo nível de simpatia do posto de seu bairro:
“Nããããooooo! Eles são obrigados a lhe atender, afinal o senhor mora lá e o seu caso é urgente!”
“Que eu moro lá e que é urgente, eu sei, mas parece que eles não sabem, tanto é que me mandaram até aqui. O que eu faço? Não posso ficar correndo “prá lá e prá cá” sem sequer ser atendido decentemente por um profissional habilitado.”
“Então, o senhor vai até o posto central e fala com o fulano responsável”
Já que nem o amável e Bom Jesus pôde resolver seu problema, lá vai nosso amolado João percorrer oito quilômetros com o cheirinho de gasolina que ainda resta no seu Herb azul em busca de solução para seu molar teimoso. Encontra mais uma simpatia em forma de moça que lhe dá a única informação desnecessária naquele momento:
“O fulano acabou de sair, porém temos a dentista que chega daqui a pouco, às cinco da tarde, e atende emergências... Mas ela só vai medicar, não faz restaurações.”
“Muito obrigado, já estou dopado de remédios para a dor.”
Assim, nosso amigo volta a seu “lar, doce lar” desolado e amolado, percorrendo de um lado a outro da cidade só para ter violado seu direito à saúde, garantido pela constituição que não reconstitui qualquer molar dolorido e destruído por um pinhão.
Mas nem tudo está perdido: fontes fidedignas me garantem que ele finalmente foi atendido, mas isso é assunto para o próximo capítulo de “Amolação molar”...
Márcio Roberto Goes
Não me amola, molarzinho de m...!

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