sexta-feira, 25 de maio de 2007

Crônica

Poética
A mulher do padeiro era infiel. Todo mundo sabia disso na cidadezinha. Era uma loira opulenta e farta, bem mais alta do que ele. Agora, tem o seguinte: ela só praticava sua infidelidade com um tipo de homem: com os amantes da poesia. A mulher do padeiro não conseguia resistir a quem lhe declamasse um bom poema. Os homens da cidade, ao descobrirem isso, passaram a se esforçar, literariamente falando. Chegavam à padaria com um Bilac na ponta da língua, às vezes até com um Baudelaire. Ela enlouquecia, dava um jeito de escapulir da vigilância do padeiro e se refestelava com o suposto poeta.Mas um dia... o padeiro descobriu.Algum maldito iletrado contou para ele. E uma vingança sórdida foi urdida. O padeiro comunicou à dadivosa mulher que ia viajar a negócios. E, de fato, arrumou as malas. E partiu. Só que se hospedou num hotel da periferia. Enquanto isso, um detetive particular ficou vigiando a casa. À noite, quando a mulher do padeiro estava se regalando com um tipo que recitava Castro Alves, o Navio Negreiro inteirinho, um fenômeno, o padeiro e o detetive entraram na casa pelos fundos. Ainda tomaram um cafezinho na cozinha, esperando a hora certa. E, quando a hora certa chegou, invadiram o quarto, com revólveres em punho.Pegaram a mulher do padeiro e o poeta amador em pleno ato. Tiraram fotos dos dois nus. Fizeram com que assinassem uma declaração admitindo o adultério. De posse de todos esses documentos, o padeiro pediu separação judicial. Não queria que ela tivesse direito a nada. Só que depois de um rápido julgamento, veio a surpresa: o juiz deu tudo a ela. Tudo: a padaria, uma pensão gorda, tudo. O padeiro ficou arrasado. E virou piada na cidade. Porque só ele não sabia que a especialidade do juiz não era o Direito: era Guilherme de Almeida. O Príncipe dos Poetas!
Afirmativa
Ela era uma dessas mulheres que só dizem sim, como a da música do Chico. Cristina. Linda, delicada e generosa. Nunca rechaçava um homem. Não que fosse devassa, mas por ser uma pessoa boníssima. Comovia-se com qualquer apelo masculino. Achava tão lindo ser desejada, que não resistia. Sucumbia, docemente. Se entregava... Os dom juans, porém, que não se enganassem. Era uma só vez. Bem como na música do Chico: no dia seguinte, aquele homem que havia se repoltreado em suas carnes brancas de leite era página virada, descartada do seu folhetim.Até que surgiu Norton. Um homem diferente. Porque, quando a abordou, não fez nenhuma insinuação sexual, não a fitou com olhos de lobo faminto, como todos os outros. Não. Norton foi cavalheiro, foi gentil, foi suave como um beijo de mãe. Mandava-lhe flores, caixas de Sonho de Valsa, cartões por imeil. Cris estava encantada. Mas também ansiosa. Quando é que ele finalmente ia pedir para passarem uma noite juntos?Norton não pedia. Os mimos continuavam. Os convites para jantares suntuosos. Sexo? Nada. Nem pegar na mão ele pegava. Uma noite, Cris não agüentou mais. Foi direta. Perguntou: - Norton, me diz logo: o que é que você quer comigo?Norton, então, tomou as mãos dela, ambas as mãos e, com um sorriso de frei franciscano, ciciou: - Cris, minha Cristina, Cristininha. É o seguinte: não quero uma mulher que só diz sim. Ela ficou olhando-o, muito séria. Levantou-se, enfim. Ajeitou a minúscula minissaia com as mãos. E disse, com voz de paralelepípedo: - Então, para você, eu digo não! E foi-se embora, para nunca mais olhar na cara do pobre Norton.
Inatingível
Algumas mulheres parecem ser inatingíveis. Marcela era uma dessas. Não só porque era linda, com suas pernas compridas, seu rosto de propaganda de creme Nívea e seus seios firmes como uma defesa montada pelo Felipão. Não. Marcela parecia ser inatingível porque era simpática demais. Tratava a todos os homens com a mesma atenção, o mesmo sorriso. Esse era o problema: com todos os homens, Marcela era condescendente como uma imperatriz, como uma mestra que perdoa a peraltice do aluno. A rainha do gelo. Certa noite, Leonardo, um colega que trabalhava ao lado dela, a viu dançando de bracinho levantado no Doctor Jeckyll. Detalhe: Marcela vestia uma minissaia de quatro dedos de altura. Depois disso, Leonardo passou a acordar todas as manhãs da seguinte forma: abria os olhos, fitava o reboco do teto, e pensava: - Será que ela vai vir de minissaia hoje? Ela nunca vinha. Leonardo passava o dia a rodeá-la, a mirá-la com olhos pidões. Ela nem aí. Leonardo pôs o plano em ação. Durante um mês inteiro, mal a o-lhou. Como foi difícil! Marcela surgia no escritório cada dia mais linda. Vinha com umas calças apertadas, como ela conseguia respirar dentro daquelas calças? Ele não a olhava. Mordia os nós dos dedos, tinha vontade de chorar, mas não olhava. E uma sexta-feira... Oh, naquela sexta-feira ela apareceu de minissaia! Aí Leonardo não agüentou mais. Olhou. Mas olhou de verdade, olhou tudo o que pôde, olhou bem, olhou com gula. E disse, finalmente: - Marcela, Marcelinha, todo este mês eu a ignorei. Mas hoje você está realmente irresistível. Hoje não tem como ignorar. Não tem... Então, ela o encarou com surpresa, levantou as sobrancelhas e disse: - Você estava me ignorando? Nem percebi...
Luis Fernando Veríssimo

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