domingo, 27 de maio de 2007

Acorda, Brasil!

Todos os dias, de manhã e à noite, milhões de brasileiros esperam o transporte para ir ao trabalho ou voltar para casa. Esperam em pé, sob sol ou chuva, sem qualquer informação sobre o próximo ônibus, sem saber se irão perder a primeira aula, faltar à prova, chegar atrasados ao trabalho, ter o salário descontado ou perder o emprego; se terão tempo de fazer o jantar, conversar com os filhos, ver a novela. E sabem que isso se repetirá no dia seguinte e no outro e no outro. Todos os dias, vivem a angústia da irregularidade do transporte urbano. Mas esse apagão não levanta nenhum furor, não sai nas primeiras páginas dos jornais, não aparece nos noticiários da televisão, não provoca CPIs.
Porém, quando o sistema de controle do tráfego aéreo entra em crise e os aviões atrasam, o Brasil se levanta contra o apagão. Os passageiros têm ar-condicionado, restaurantes e lojas ao redor, mas os sofrimentos com o atraso, as perdas econômicas, a quebra de projetos de férias, a imprevisibilidade das cirurgias fazem o Brasil entrar em pânico, e o Congresso convocar não apenas uma, mas duas CPIs.
A mesma diferença, conforme a parcela da população que sofra o inferno, acontece em outros setores. O próprio apagão aéreo é tratado como assunto restrito aos controladores de tráfego, ficando esquecido o apagão maior, resultado da falta de uma aeronáutica bem equipada, capaz de proteger o espaço aéreo, territorial e marítimo do Brasil todo. O apagão do Cindacta aparece, mas é uma pequena parte do invisível apagão aeronáutico.
A morte de qualquer personalidade ou cliente em um hospital privado gera imediatamente denúncias, críticas, propostas, mas a falência total do sistema de saúde que atende a população pobre do Brasil continua há séculos, sem grandes perturbações. Como um apagão invisível.
Quando bancos e indústrias entram em greve, o risco de apagão econômico movimenta as forças políticas, mas as greves de professores na educação básica não aparecem. Duram semanas, meses, provocando o mais duradouro dos apagões – o apagão intelectual, que inviabiliza o ingresso do Brasil na economia e na sociedade do conhecimento que caracterizam o século XXI, mas que também é invisível.
O Brasil inteiro se isenta de responsabilidade. Os ricos se acomodam porque seus filhos estão nas escolas privadas; os pobres, porque – como os escravos no século XIX em relação à liberdade – acham que educação é privilégio dos filhos dos ricos. Todos acostumados e acomodados. Os empresários, porque continuam viciados ao tempo das vantagens competitivas que vinham do controle dos recursos naturais (como, aliás, o etanol retoma) ou do capital das máquinas. Não entendem, nem se atrevem a ingressar no tempo do capital-conhecimento. Provocam um apagão de competitividade.
O Brasil só vê os apagões de efeito imediato que obscurecem a vida da parcela rica. Enquanto isso, são invisíveis os apagões que infernizam a vida dos pobres e o futuro da nação e que vão, aos poucos, apagando o País. Como se estrelas fossem desaparecendo do céu, aos poucos, até a escuridão chegar e nos surpreender.
Cada um dos apagões – tráfego aéreo, trânsito urbano, transporte (rodoviário, ferroviário, marítimo, aéreo), setor elétrico, sanitário, educacional (pré-escola, ensino básico e superior), previdenciário, jurídico, policial, presidiário, ético, intelectual, cultural, científico, tecnológico, habitacional, hospitalar, ecológico, da segurança pública e da defesa nacional (Aeronáutica, Exército e Marinha) – vai desarticulando os setores do País, vai deixando sua marca. Vai apagando o Brasil.
As duas CPIs em andamento vão ajudar a apurar as falhas que levaram ao apagão no tráfego aéreo, mas pouco farão para iluminar e corrigir os apagões invisíveis que apagam todo o resto. É preciso despertar o Brasil em seu ilusório berço esplêndido, no qual ele mais parece condenado do que deitado. Iludido por apagões que ele não vê. Mais do que de CPIs, o Brasil precisa de um despertador.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

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