Como decifrar Bento XVI
Intelectual ortodoxo e rigoroso, sem a preocupação de serpoliticamente correto, o papa traz ao Brasil sua cruzadapara recuperar a influência da Igreja no mundo moderno
A Revolução Francesa substituiu Deus pela razão. Literalmente. Em 1791, na catedral de Notre Dame de Paris, um dos maiores monumentos da Igreja Católica, os dirigentes revolucionários entronizaram como deusa Razão uma jovem e atraente cantora de ópera ligeira. A impostura, com toda a sua teatralidade e deboche, marcou o ponto alto do desafio daquela que ficou conhecida como Era das Luzes à religião dominante na França e em boa parte da Europa: o catolicismo. "A Razão", anunciaram alegremente os revolucionários, "baniu a superstição e a ignorância". Tinha início o mais radical e duradouro período de declínio da influência da Igreja Católica no mundo. E o estranhamento cada vez maior entre a Igreja e o mundo moderno.
Mais de 200 anos depois da expulsão "da ignorância e da superstição", os ideais do Iluminismo já não parecem responder aos desafios da humanidade. As utopias marxistas e nazifascistas tornaram o século XX o mais sangrento período da História. Mesmo depois da queda do Muro de Berlim, o Ocidente democrático, multicultural e laico se vê impotente diante do islamofascismo terrorista, do relativismo moral e da decadência cultural. "A Europa está infectada por uma estranha falta de apetite pelo futuro", escreveu o cardeal Joseph Ratzinger pouco antes do conclave que o elegeu papa em 2005. Agora, o papa Bento XVI, líder da Igreja Católica, desembarca no Brasil no próximo dia 9 como o maior defensor da razão que o Ocidente parece ter abandonado. Bento XVI quer ser o papa das Luzes, capaz de resgatar a influência perdida pela Igreja e devolvê-la a seu passado de esplendor.
Este papa não economiza palavras e diz claramente o que pensa, sem parecer preocupado com a reação do público. Ao defender com todas as letras o rigor da liturgia, o latim nas missas e o celibato clerical, ao condenar o uso de camisinha, o casamento gay e as pesquisas com células de embriões, ao afirmar que o segundo casamento é uma "praga" ou combater aquilo que julga serem as tendências irracionais do islã, Bento XVI desfaz as esperanças daqueles que esperavam ver um papado politicamente correto, sintonizado com as expectativas de um "público-alvo" que tem deixado o catolicismo atraído pelo apelo de outras denominações cristãs. Para esses, o papa é um ultraconserva-dor que levará a Igreja de volta à rigidez que a estagnou. Para outros, porém, ele é a mente mais alerta à perigosa situação que o mundo pós-iluminista enfrenta. Será o caminho apontado por Bento XVI o correto para devolver à Igreja Católica sua influência? Conseguirá ele resgatar - pelas luzes da razão - a importância da Igreja Católica?
Intelectual ambicioso e rigoroso, acusado por seus críticos de ser eurocêntrico e de confundir a Cristandade com o continente onde nasceu e sempre viveu, Bento XVI sai da Europa pela primeira vez desde que foi eleito papa. Vem para Aparecida, no Vale do Paraíba, por escolha própria. Foi ele que, ao receber uma delegação de cardeais latino-americanos ainda no ano em que foi eleito, decidiu que a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho teria de acontecer no maior santuário dedicado a Nossa Senhora no Brasil, maior país católico do mundo. Ele vem visitar o continente onde vive metade dos católicos do mundo. "Que esse continente continuasse sendo um dos mais pobres do mundo lançou à Igreja um desafio que não poderia ser ignorado", escreveu o papa em 1982, ano em que começou a dirigir a Congregação para a Doutrina da Fé, órgão do Vaticano responsável por manter a ortodoxia católica. Para a Igreja na América Latina, dizia então o papa, "o problema não era se tornar moderna, mas ultrapassar a modernidade" que havia condenado o continente a um capitalismo periférico e pobre ou à catastrófica alternativa marxista.
SOBRE O VATICANO II
"Eu não era progressista durante o Concílio, e depois conservador. Os outros é que mudaram, não eu. Eles queriam umarevolução permanente "
O embate entre aderir à modernidade ou superá-la divide a Igreja desde o Concílio Vaticano II, convocado em 1962 pelo papa João XXIII e encerrado em 1965 sob a direção do papa Paulo VI. O último concílio, o Vaticano I, havia acontecido em 1870. A década de 1960 via o início da explosão dos meios de comunicação modernos. Pela primeira vez uma reunião do papa e de seus bispos tinha cobertura completa de jornais, revistas, rádios e TV. O mundo estava em ebulição. A pílula anticoncepcional desencadeara a revolução sexual. As drogas e o rock'n' roll plantavam os germes da contracultura. Nesse cenário efervescente, a reunião de todos os bispos do mundo tinha como meta superar a divisão entre a Igreja e o mundo moderno instalada desde a Revolução Francesa. Os séculos de condenação mútua da Igreja e do mundo deveriam se encerrar. Para a Igreja, tratava-se de "sair do gueto".
Os bispos, atores principais do Concílio, precisavam medir com cuidado suas palavras e mantinham o hábito multissecular de discutir os assuntos da Igreja em sigilo, ainda desconfiados de uma modernidade quase sempre hostil. Não eram boas fontes para os jornalistas amontoados em Roma. Cada bispo tinha uma equipe de assessores teológicos. Esses teólogos, entre eles o jovem padre Joseph Ratzinger, estavam sempre dispostos a falar sobre suas idéias, algumas surpreendentemente otimistas em relação à modernidade e ao futuro. A carreira de Ratzinger, hoje papa, estaria desde então intimamente ligada ao Concílio e a sua recepção pela Igreja.
A teologia acadêmica do início dos anos 1960, principalmente na Alemanha e na França, era muito mais avançada que a da Cúria Romana que preparara o Concílio. Satisfeitos com o destaque que obtiveram no decorrer do Concílio, especialmente graças ao papel da imprensa, os teólogos acabaram ocupando, aos olhos do mundo, o lugar de mestres da Igreja, que a doutrina católica reserva aos bispos. As disputas conduzidas pela geração de teólogos do Concílio e seus seguidores originaram a divisão entre progressistas e conservadores que marca a Igreja até hoje.
Ratzinger chegara ao Concílio com fama de progressista. Suas críticas à timidez e à ossificação da teologia católica e a extrema liberdade que concedia a seus orientandos nas universidades em que dava aulas chegaram a lhe causar problemas com seus superiores. Nessa época, e por anos depois disso, Ratzinger até usava terno e gravata em vez da batina então habitual entre padres.
Mas havia gente muito mais radical que ele no Concílio. "Cada vez que voltava a Roma", escreveu Ratzinger em sua autobiografia, "encontrava na Igreja e entre os teólogos um estado de ânimo cada vez mais agitado. Crescia sempre a impressão de que, na Igreja, não havia nada de estável, que tudo podia ser objeto de revisão". Os teólogos haviam se unido em torno da recém-criada Comissão Teológica Internacional. Para se manter na liderança do debate sobre a Igreja, fundaram, em 1968, uma revista, a Concillium. Ratzinger fazia parte dela. Logo, porém, começou a tomar corpo a idéia de que o mais importante não eram os documentos discutidos, votados e aprovados durante o encontro dos bispos. O importante era o "espírito do Concílio". Uma certa disposição de mudar tudo e fazer da Igreja uma parceira, não um guia, de todas as outras forças para reformar a sociedade.
Após o Concílio, de volta às aulas, Ratzinger viu o mundo universitário europeu e americano ser tomado pelo ideário rebelde impregnado de marxismo. Crescido sob o nazismo e consciente da opressão comunista que vigorava na então Alemanha Oriental, ele desconfiava das utopias. Desse momento em diante, Ratzinger se associaria à ala conservadora da teologia. Em 1972, ajudou a fundar a revista Communio, para se contrapor à Concillium. A idéia era reafirmar a comunhão católica. O Vaticano II, para os teólogos da Communio, não rompera a tradição católica, mas era apenas o mais recente na série de concílios iniciada em Jerusalém nos primórdios do Cristianismo.
"Quando ainda era cardeal, no início do Concílio, Paulo VI disse que eram esperadas grandes coisas de duas pessoas que haviam atraído a atenção mundial: Hans Küng e Joseph Ratzinger", afirma Andrea Tornielli, vaticanista e biógrafo do papa. Na época, Küng e Ratzinger eram dois dos maiores teólogos progressistas. Depois seus caminhos se afastaram. Küng foi cassado como professor de Teologia Católica em 1979, segundo ano do pontificado de João Paulo II. Três anos depois, Ratzinger assumiu a chefia da Congregação da Doutrina da Fé. Nos 25 anos em que estiveram juntos na liderança da Igreja, João Paulo II e Ratzinger se dedicaram a impor a interpretação oficial do Concílio contra os sonhos de "revolução permanente" dos progressistas. "Embora o filósofo polonês (João Paulo II) e o teólogo alemão (Bento XVI) sejam diferentes, ambos concordam que o Concílio foi seriamente mal interpretado", diz o cardeal Avery Dulles, professor de Religião e Sociedade na Fordham University, Estados Unidos, outro participante do Vaticano II. "O verdadeiro espírito do Concílio deve ser encontrado na letra de seus documentos, e não fora deles."
Bento XVI não é João Paulo II. Se é verdade que Ratzinger foi importante no pontificado anterior, sua ação como papa só pode ser entendida no contraste com seu antecessor. Especialmente no que diz respeito à insistência na defesa da razão, à tentativa de resgate do esplendor da Igreja por meio de um novo papel que ela tem a desempenhar no mundo. "João Paulo II era ansioso por envolver a Igreja na remodelação de uma ordem mundial de paz, justiça e amor fraterno", diz o cardeal Dulles. Era uma espécie de papa de resulta-dos, que não se acanhou em aliar-se ao governo iraniano numa reunião da ONU para barrar a menção do aborto como método contraceptivo.
Para Bento XVI, afirmar a identidade católica é mais importante que os resultados, contabilizados em vitórias políticas ou número de fiéis. Ele quer influência real, não vencer uma corrida. Quer qualidade, não quantidade. Segundo seu raciocínio, de nada adianta ter mais católicos se eles não praticarem a religião de fato. Por isso, Bento XVI não se acanha em proclamar a doutrina tradicional católica. Mesmo que desagrade profundamente ao establishment politicamente correto. O exemplo mais recente foi a caracterização do segundo casamento dos divorciados como uma "praga", que gerou enorme polêmica no Brasil e levou até bispos católicos a afirmar que se tratava de um possível erro de tradução.
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Intelectual ortodoxo e rigoroso, sem a preocupação de serpoliticamente correto, o papa traz ao Brasil sua cruzadapara recuperar a influência da Igreja no mundo moderno
A Revolução Francesa substituiu Deus pela razão. Literalmente. Em 1791, na catedral de Notre Dame de Paris, um dos maiores monumentos da Igreja Católica, os dirigentes revolucionários entronizaram como deusa Razão uma jovem e atraente cantora de ópera ligeira. A impostura, com toda a sua teatralidade e deboche, marcou o ponto alto do desafio daquela que ficou conhecida como Era das Luzes à religião dominante na França e em boa parte da Europa: o catolicismo. "A Razão", anunciaram alegremente os revolucionários, "baniu a superstição e a ignorância". Tinha início o mais radical e duradouro período de declínio da influência da Igreja Católica no mundo. E o estranhamento cada vez maior entre a Igreja e o mundo moderno.
Mais de 200 anos depois da expulsão "da ignorância e da superstição", os ideais do Iluminismo já não parecem responder aos desafios da humanidade. As utopias marxistas e nazifascistas tornaram o século XX o mais sangrento período da História. Mesmo depois da queda do Muro de Berlim, o Ocidente democrático, multicultural e laico se vê impotente diante do islamofascismo terrorista, do relativismo moral e da decadência cultural. "A Europa está infectada por uma estranha falta de apetite pelo futuro", escreveu o cardeal Joseph Ratzinger pouco antes do conclave que o elegeu papa em 2005. Agora, o papa Bento XVI, líder da Igreja Católica, desembarca no Brasil no próximo dia 9 como o maior defensor da razão que o Ocidente parece ter abandonado. Bento XVI quer ser o papa das Luzes, capaz de resgatar a influência perdida pela Igreja e devolvê-la a seu passado de esplendor.
Este papa não economiza palavras e diz claramente o que pensa, sem parecer preocupado com a reação do público. Ao defender com todas as letras o rigor da liturgia, o latim nas missas e o celibato clerical, ao condenar o uso de camisinha, o casamento gay e as pesquisas com células de embriões, ao afirmar que o segundo casamento é uma "praga" ou combater aquilo que julga serem as tendências irracionais do islã, Bento XVI desfaz as esperanças daqueles que esperavam ver um papado politicamente correto, sintonizado com as expectativas de um "público-alvo" que tem deixado o catolicismo atraído pelo apelo de outras denominações cristãs. Para esses, o papa é um ultraconserva-dor que levará a Igreja de volta à rigidez que a estagnou. Para outros, porém, ele é a mente mais alerta à perigosa situação que o mundo pós-iluminista enfrenta. Será o caminho apontado por Bento XVI o correto para devolver à Igreja Católica sua influência? Conseguirá ele resgatar - pelas luzes da razão - a importância da Igreja Católica?
Intelectual ambicioso e rigoroso, acusado por seus críticos de ser eurocêntrico e de confundir a Cristandade com o continente onde nasceu e sempre viveu, Bento XVI sai da Europa pela primeira vez desde que foi eleito papa. Vem para Aparecida, no Vale do Paraíba, por escolha própria. Foi ele que, ao receber uma delegação de cardeais latino-americanos ainda no ano em que foi eleito, decidiu que a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho teria de acontecer no maior santuário dedicado a Nossa Senhora no Brasil, maior país católico do mundo. Ele vem visitar o continente onde vive metade dos católicos do mundo. "Que esse continente continuasse sendo um dos mais pobres do mundo lançou à Igreja um desafio que não poderia ser ignorado", escreveu o papa em 1982, ano em que começou a dirigir a Congregação para a Doutrina da Fé, órgão do Vaticano responsável por manter a ortodoxia católica. Para a Igreja na América Latina, dizia então o papa, "o problema não era se tornar moderna, mas ultrapassar a modernidade" que havia condenado o continente a um capitalismo periférico e pobre ou à catastrófica alternativa marxista.
SOBRE O VATICANO II
"Eu não era progressista durante o Concílio, e depois conservador. Os outros é que mudaram, não eu. Eles queriam umarevolução permanente "
O embate entre aderir à modernidade ou superá-la divide a Igreja desde o Concílio Vaticano II, convocado em 1962 pelo papa João XXIII e encerrado em 1965 sob a direção do papa Paulo VI. O último concílio, o Vaticano I, havia acontecido em 1870. A década de 1960 via o início da explosão dos meios de comunicação modernos. Pela primeira vez uma reunião do papa e de seus bispos tinha cobertura completa de jornais, revistas, rádios e TV. O mundo estava em ebulição. A pílula anticoncepcional desencadeara a revolução sexual. As drogas e o rock'n' roll plantavam os germes da contracultura. Nesse cenário efervescente, a reunião de todos os bispos do mundo tinha como meta superar a divisão entre a Igreja e o mundo moderno instalada desde a Revolução Francesa. Os séculos de condenação mútua da Igreja e do mundo deveriam se encerrar. Para a Igreja, tratava-se de "sair do gueto".
Os bispos, atores principais do Concílio, precisavam medir com cuidado suas palavras e mantinham o hábito multissecular de discutir os assuntos da Igreja em sigilo, ainda desconfiados de uma modernidade quase sempre hostil. Não eram boas fontes para os jornalistas amontoados em Roma. Cada bispo tinha uma equipe de assessores teológicos. Esses teólogos, entre eles o jovem padre Joseph Ratzinger, estavam sempre dispostos a falar sobre suas idéias, algumas surpreendentemente otimistas em relação à modernidade e ao futuro. A carreira de Ratzinger, hoje papa, estaria desde então intimamente ligada ao Concílio e a sua recepção pela Igreja.
A teologia acadêmica do início dos anos 1960, principalmente na Alemanha e na França, era muito mais avançada que a da Cúria Romana que preparara o Concílio. Satisfeitos com o destaque que obtiveram no decorrer do Concílio, especialmente graças ao papel da imprensa, os teólogos acabaram ocupando, aos olhos do mundo, o lugar de mestres da Igreja, que a doutrina católica reserva aos bispos. As disputas conduzidas pela geração de teólogos do Concílio e seus seguidores originaram a divisão entre progressistas e conservadores que marca a Igreja até hoje.
Ratzinger chegara ao Concílio com fama de progressista. Suas críticas à timidez e à ossificação da teologia católica e a extrema liberdade que concedia a seus orientandos nas universidades em que dava aulas chegaram a lhe causar problemas com seus superiores. Nessa época, e por anos depois disso, Ratzinger até usava terno e gravata em vez da batina então habitual entre padres.
Mas havia gente muito mais radical que ele no Concílio. "Cada vez que voltava a Roma", escreveu Ratzinger em sua autobiografia, "encontrava na Igreja e entre os teólogos um estado de ânimo cada vez mais agitado. Crescia sempre a impressão de que, na Igreja, não havia nada de estável, que tudo podia ser objeto de revisão". Os teólogos haviam se unido em torno da recém-criada Comissão Teológica Internacional. Para se manter na liderança do debate sobre a Igreja, fundaram, em 1968, uma revista, a Concillium. Ratzinger fazia parte dela. Logo, porém, começou a tomar corpo a idéia de que o mais importante não eram os documentos discutidos, votados e aprovados durante o encontro dos bispos. O importante era o "espírito do Concílio". Uma certa disposição de mudar tudo e fazer da Igreja uma parceira, não um guia, de todas as outras forças para reformar a sociedade.
Após o Concílio, de volta às aulas, Ratzinger viu o mundo universitário europeu e americano ser tomado pelo ideário rebelde impregnado de marxismo. Crescido sob o nazismo e consciente da opressão comunista que vigorava na então Alemanha Oriental, ele desconfiava das utopias. Desse momento em diante, Ratzinger se associaria à ala conservadora da teologia. Em 1972, ajudou a fundar a revista Communio, para se contrapor à Concillium. A idéia era reafirmar a comunhão católica. O Vaticano II, para os teólogos da Communio, não rompera a tradição católica, mas era apenas o mais recente na série de concílios iniciada em Jerusalém nos primórdios do Cristianismo.
"Quando ainda era cardeal, no início do Concílio, Paulo VI disse que eram esperadas grandes coisas de duas pessoas que haviam atraído a atenção mundial: Hans Küng e Joseph Ratzinger", afirma Andrea Tornielli, vaticanista e biógrafo do papa. Na época, Küng e Ratzinger eram dois dos maiores teólogos progressistas. Depois seus caminhos se afastaram. Küng foi cassado como professor de Teologia Católica em 1979, segundo ano do pontificado de João Paulo II. Três anos depois, Ratzinger assumiu a chefia da Congregação da Doutrina da Fé. Nos 25 anos em que estiveram juntos na liderança da Igreja, João Paulo II e Ratzinger se dedicaram a impor a interpretação oficial do Concílio contra os sonhos de "revolução permanente" dos progressistas. "Embora o filósofo polonês (João Paulo II) e o teólogo alemão (Bento XVI) sejam diferentes, ambos concordam que o Concílio foi seriamente mal interpretado", diz o cardeal Avery Dulles, professor de Religião e Sociedade na Fordham University, Estados Unidos, outro participante do Vaticano II. "O verdadeiro espírito do Concílio deve ser encontrado na letra de seus documentos, e não fora deles."
Bento XVI não é João Paulo II. Se é verdade que Ratzinger foi importante no pontificado anterior, sua ação como papa só pode ser entendida no contraste com seu antecessor. Especialmente no que diz respeito à insistência na defesa da razão, à tentativa de resgate do esplendor da Igreja por meio de um novo papel que ela tem a desempenhar no mundo. "João Paulo II era ansioso por envolver a Igreja na remodelação de uma ordem mundial de paz, justiça e amor fraterno", diz o cardeal Dulles. Era uma espécie de papa de resulta-dos, que não se acanhou em aliar-se ao governo iraniano numa reunião da ONU para barrar a menção do aborto como método contraceptivo.
Para Bento XVI, afirmar a identidade católica é mais importante que os resultados, contabilizados em vitórias políticas ou número de fiéis. Ele quer influência real, não vencer uma corrida. Quer qualidade, não quantidade. Segundo seu raciocínio, de nada adianta ter mais católicos se eles não praticarem a religião de fato. Por isso, Bento XVI não se acanha em proclamar a doutrina tradicional católica. Mesmo que desagrade profundamente ao establishment politicamente correto. O exemplo mais recente foi a caracterização do segundo casamento dos divorciados como uma "praga", que gerou enorme polêmica no Brasil e levou até bispos católicos a afirmar que se tratava de um possível erro de tradução.
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