quarta-feira, 11 de outubro de 2006

A questão central do segundo turno

É equivocado o tratamento dado ao embate eleitoral do segundo turno das eleições presidenciais brasileiras como sendo um confronto entre esquerda e direita. Nem Lula nem Alckmin podem ser qualificados exclusivamente a partir dessas categorias simplesmente porque Lula representa parte da esquerda e Alckmin não é uma expressão cabal da direita brasileira. Esse tratamento está baseado em argumentos flagrantemente forçados.
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Clássicos como campos divisórios de qualquer cenário político moderno, esquerda e direita, deve-se reconhecer, aparecem em ambas as candidaturas, sem que haja predominância de qualquer um dos campos em uma ou outra. Para se construir uma imagem simples: nem Lula é o candidato da ruptura radical e de um mundo pós (ou não) capitalista; nem Alckmin é o porta-voz da reação e do conservadorismo.
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Uma hipotética vitória de Alckmin não será a vitória das hostes burguesas ou dos ricos porque, como reconhece o próprio Lula, esses já ganham muito no seu governo e são injustos e preconceituosos em rejeitá-lo. Por essa razão, uma possível vitória de Lula não será o estabelecimento de um “governo popular”, como já se comprovou em seu primeiro governo. Uma eventual derrota de Lula não deve ser vista como uma derrota da esquerda, e, por sua vez, uma derrota de Alckmin não será o fim do mundo para as classes dominantes.
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Esse esquema, portanto, não é a melhor chave de leitura para a compreensão da conjuntura política atual. Na realidade, as candidaturas de Lula e Alckmin expressam o avanço do processo democrático brasileiro e de sua virtual consolidação. Há, em suas trajetórias de políticos e governantes, atitudes progressistas e democráticas, mas há também aproximações de ambos em relação ao neoliberalismo. Contra qualquer devaneio retórico, nada indica que o resultado dessa eleição será o estabelecimento de uma polarização irredutível do tipo “fascismo ou revolução”.
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O que está então em disputa? Se não se joga pela vitória substantiva de nenhum dos pólos do espectro político, o que as duas candidaturas visam conquistar é o centro político e parece ser nele que reside a sorte de ambos os candidatos. Na verdade, elas buscam reconstruir o centro da política brasileira como um lugar próprio da nossa geografia política.
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Desde a resistência democrática, disputado pela esquerda e pela direita, o centro político sempre foi o enigma da política brasileira. Na nossa experiência recente, a esquerda de extração democrática jogou um papel de animadora do centro político, e sua conquista significaria, entre outras coisas, garantir ao Brasil a possibilidade de construção da democracia em meio a uma sociedade que se modernizava e se tornava cada vez mais complexa.
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A trajetória de Alckmin deriva do centro político, e o candidato do PSDB parece se reconhecer nele com maior facilidade, o que lhe dá alguma vantagem. Alckmin demonstra que pode ir além de FHC, uma vez que este desdenhou a tarefa de reconstrução do centro político depois do êxito de seu programa econômico. Na sua sucessão veio a fatura, e todos sabemos o resultado.
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Lula, por sua vez, expressa o movimento de uma esquerda que buscou construir a sua identidade em contestação às matrizes históricas da esquerda brasileira. Sua razão de ser é estritamente social, e sua razão política desconhecida. Lula representa uma esquerda que não busca, não quer nem pode renovar qualquer referente deste campo. Por não ter compartilhado o tempo de construção dos atores democráticos no processo de transição, preferindo a política de pólo e rechaço a estes, quando chegou ao poder não tinha outro caminho a não ser inclinar-se ao centro, mas o fez de forma inautêntica e errática, como o comprovam suas alianças políticas de ontem e de hoje. Como sagazmente apontou Luiz Werneck Vianna, Lula foi ao centro mas não pôde ser senão um "falso centro". Essa é razão das dificuldades que apresenta a proposta de concertação à chilena anunciada por próceres do governo Lula.
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A questão política central do Brasil hoje, não apenas a eleitoral, é a reconstrução do centro político, e, com ele, a possibilidade de consolidar a democracia, reconstruir a capacidade de a sociedade fazer e, sobretudo, acreditar na política para poder mobilizar todas as suas energias em torno da construção de um projeto consensual de retomada do crescimento. Quais os atores que animarão esta reconstrução do centro político? Ao que tudo indica e pelos desastres na dimensão republicana que acompanham o governo Lula, parece muito difícil que este venha a ser o ator mais qualificado para realizar essa tarefa.
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De resto, essa chave de leitura sempre foi estranha a Lula e ao PT. Contudo, ela pode muito bem alimentar a perspectiva de que a candidatura Alckmin possa vir a ser um reencontro da sociedade brasileira com a sua utopia: um Brasil que todos projetamos como um presente e um futuro melhor e mais justo para todos.
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Alberto Aggio é professor de História da Unesp/Franca, autor e organizador de Gramsci: a vitalidade de um pensamento (1998) e Pensar o século XX: problemas políticos e história nacional na América Latina (2003).

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