domingo, 22 de outubro de 2006

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A menos de uma semana do segundo turno das eleições presidenciais, as opiniões de setores legitimamente representativos da esquerda e dos interesses sociais permanecem ainda mais divididas: caso um estrangeiro minimamente informado de nossa situação política chegasse hoje ao Brasil e se deparasse com as análises desses setores ficaria atônito diante de tão profunda divergência. Nesse último número antes do pleito, procurando reverberar e aprofundar esse debate, o Correio entrevistou o historiador Mário Maestri e o Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), Dom Pedro Casaldáliga – com suas sofisticadas e, sem dúvida alguma, profundamente humanitárias avaliações da conjuntura política, enxergam a atual realidade eleitoral a partir de diferentes recortes, conducentes a uma opinião também diversa quanto à decisão final do voto do eleitor. Para Maestri, apesar de Lula e Alckmin não serem a mesma coisa - Alckmin representa, para o historiador, a direita mais conservadora do Brasil, sem mediações, ao contrário de Lula, que é o representante de partido social-democrata, com raízes populares e eleitorado plebeu –, “sua diversidade não significa que um ou outro governo será mais ou menos nefasto ao país. Significa, sobretudo, que a forma de implementar o projeto neoliberal será distinta”. Maestri compartilha também da opinião das correntes à esquerda que consideram que a permanência de Lula no poder desmobilizaria ainda mais a população e os movimentos sociais, uma vez tendo conduzido um governo em rota de colisão com seu prestígio histórico na esquerda, diluindo o potencial contestatório dos laços de classe: caso se reeleja, Lula atacará mais fortemente as conquistas sociais, uma vez diante de uma resistência trabalhista desorganizada pela corrupção e cooptação das direções populares; com Alckmin, apesar de o ataque ao mundo do trabalho tender a ser bem mais frontal, deparar-se-á com uma frente popular e social mais ampla opondo-se à ofensiva, como ocorreu no governo FHC. O voto nulo é, para Maestri, a opção correta diante de cenário tão esquizofrênico. “A esquerda precisa deixar de ser imediatista e triunfalista, e precisa manter a utopia e a esperança, honrando a memória de nossos heróis e mártires”. Essa é, por sua vez, a avaliação de Dom Pedro Casaldáliga, para quem estaríamos diante de dois projetos distintos, o neoliberalismo puro versus um espaço popular, o qual, mesmo que ambíguo e confuso, está ainda aberto para as reivindicações do campo popular. “Passar para o segundo turno também significa ser um pouco mais humilde, e se deter com maior vontade de mudança nos pontos considerados falhos”, diz Dom Pedro.O expressivo número de votos populares recebidos pelo presidente Lula no primeiro turno conforma uma conjuntura política que não autoriza uma declaração de voto nulo sem um debate autêntico com esse candidato. Mas essa mesma conjuntura não constitui, de modo algum, salvo conduto para o apoio da esquerda e dos movimentos sociais, uma vez diante de um governo que esteve longe de representar autenticamente os direitos dos trabalhadores. Somente a emissão de mensagens claras relativamente às promessas que Lula vem fazendo de realizar a reforma agrária, manter intocados os direitos trabalhistas, abolir as privatizações e executar políticas de emprego justificaria o voto nele nessa reta final, pois deflagraria imediatamente um confronto com os interesses que se opõem à solução dos problemas do povo.

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