domingo, 3 de dezembro de 2006

A mídia perdeu as eleições
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Marcos Rolim
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Há um interessante debate no país sobre a conduta da mídia nas últimas eleições que, infelizmente, ainda não mereceu a atenção de muitos veículos de comunicação. Compreende-se. Certos grupos podem oferecer destaque a qualquer assunto, por mais irrelevante que seja, mas não julgam pertinente debater seus próprios compromissos ou condutas. O Observatório Brasileiro de Mídia realizou estudo sobre a posição de 14 colunistas, de cinco entre os mais importantes jornais brasileiros: Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense, quanto aos quatro principais candidatos à Presidência, apontando que o número de menções negativas a Lula foi quase quatro vezes superior às menções críticas para Geraldo Alckmin. Merval Pereira e Miriam Leitão, ambos da Globo, foram os recordistas nas críticas a Lula e, ao mesmo tempo, os que mais isentaram Alckmin. A Globo, aliás, arquivou reportagens sobre o envolvimento de tucanos com a máfia dos sanguessugas e só foi superada no quesito parcialidade pela fábrica de maldades em que se transformou a (ex) revista Veja. Alguns dos melhores jornalistas brasileiros, como Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim, têm insistido nesta crítica. Nassif publicou em seu blog um texto cujo título é "Réquiem do jornalismo"; enquanto Amorim escreveu em seu site "Conversa afiada" artigo em que condena o que chamou de "golpe de Estado que levou a eleição para o segundo turno".
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A conduta da imprensa brasileira ao longo de toda a campanha não considerou importante avaliar até que ponto o candidato Alckmin, por exemplo, poderia sustentar a idéia de um "Brasil decente". Se a ética política foi um tema central no debate eleitoral e se Lula tinha muitas explicações a oferecer neste ponto, tudo se passou como se Alckmin estivesse imune às demandas por moralidade e fosse, implicitamente, uma resposta a elas. O resultado foi que a classe média ouviu uma história pela metade. Por isso, a interpretação dos resultados eleitorais que deram a Lula uma votação consagradora foram, quase que naturalmente, associados à ignorância e ao clientelismo. O fenômeno, entretanto, é bem mais complexo. Cito, neste particular, a opinião do diretor do Vox Populi, Marcos Coimbra, que disse: "(...) Ganhou o voto de quem se sentiu satisfeito com o que está vivendo e convencido de que os pecados de Lula e do PT só serão resolvidos quando todo o sistema político mudar. Ganhou, portanto, um voto concreto e informado, o inverso do que imaginam alguns analistas, que mais tendem a repetir estereótipos que a criticá-los" (...). "Tenho acompanhado a eleição desde muito cedo e com diversos instrumentos de pesquisa. É, para mim, muito claro que foram os eleitores de "classe média", de maior escolaridade e renda, muitos vivendo em cidades grandes e modernas, os que mais tenderam a ser 'manipulados'. Foram eles os que mais se revelaram propensos a votar segundo a informação recebida, de maneira acrítica e, muitas vezes, superficial. Ou seja, cada vez que alguém se inflamava contra a ignorância dos pobres, dirigia mal suas baterias".
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Nesta discussão, não seria demais lembrar Paulo Virilio, para quem a mídia contemporânea é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. Tudo se passa, então, como se a crítica à imprensa fosse, em si mesma, um "atentado à liberdade de expressão". Algo que o filósofo resume com uma única palavra: cinismo. A mesma conduta, aliás, dos que hoje silenciam sobre a absurda condenação de Emir Sader.
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Enfim, para futuras eleições, será que a mídia (impressa e eletrônica) adotará comportamento verdadeiramente jornalístico, de modo a extrair dos candidatos o sumo do que efetivamente tenham para apresentar como programa de governo? Ou ainda estaremos, para sempre, condenados a votos oriundos de "crenças", "simpatias", "rancores", "assistencialismos", "promessas vãs", "elite vs. povo", "direita vs. esquerda" e outros clichês que mobilizam "torcedores" e potencializam a "cegueira" de parte a parte, fazendo da escolha verdadeiro "arrastão"?
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Em nome de uma suposta (e sagrada) liberdade de expressão, a mídia tudo podia. Por que esse princípio sacramentado [o da liberdade de expressão] não serve também para proteger Emir Sader do mandonismo dos "donos do poder" (como dizia Faoro)? Eles tudo podiam em nome da tal liberdade de expressão, ou de imprensa - como, às vezes, preferem. A seu bel-prazer, a mídia caluniava, mentia, distorcia, manipulava - note que me utilizo aqui do tempo pretérito, como que a marcar o passado e sinalizar o porvir, o daqui para frente. Também a seu bel-prazer, elegia governadores, prefeitos, deputados, presidentes (quem não se lembra do "fenômeno" Collor?) etc - elegia até um poste, dizia-se. Também a seu bel-prazer cassava os mandatos de governadores, prefeitos, deputados, presidentes (Collor, também nesse caso, nos serve como exemplo) etc. Construía e destruía famas, reputações. A mídia tocava a sua flauta, e nós, os ratinhos enfeitiçados, a seguíamos diligentes, comportados - muitas vezes, rumo a nossa própria desgraça. Impunha-nos suas verdades. Não mais. A grande mídia, e é essa a grande novidade, já não mais detém o monopólio da opinião pública. Já não nos guia em direção ao precipício, como se cegos fôssemos.

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