quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Trabalho escravo: uma anomalia amazônica?

Desde 2003, 192 pessoas foram autuadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego por submeter seus empregados a regime de trabalho análogo à escravidão. Mais de dois terços dessas empresas (147) atuam na Amazônia Legal. O campeão nacional do trabalho escravo é o Pará, com quase um quarto de todas as atuações, 52. As duas colocações seguintes nesse nefando ranking são ocupadas por Estados amazônicos: Tocantins (43) e Maranhão (32). Goiás, já excluído da região, é o seguinte, com 10 autuações.
O que leva à concentração dos casos de exploração de mão-de-obra não é uma anomalia amazônica, mas o fato de a região constituir a área de expansão da fronteira econômica do Brasil. Há o pressuposto tácito (ou tático) de que o pioneiro não traz necessariamente consigo a contemporaneidade. O então ministro Delfim Netto, quando todo-poderoso do regime militar, disse que a Amazônia deve primeiro ser “amansada” pelo bandido para, depois, poder chegar o mocinho.
A filosofia é a mesma do modelo econômico então vigente: primeiro fazer o bolo da renda crescer para então distribuí-lo (se sobrar alguma fatia para os retardatários, naturalmente). Por essa combinação perversa, a Amazônia sofreu os efeitos da concentração da renda e da selvageria primitiva, sancionada e admitida na “fronteira”.
Sendo o resíduo da área mais antiga e mais rica, à qual só agora se agrega, por um movimento gravitacional exercido de fora para dentro, deve ter paciência para esperar a chegada das conquistas da modernidade. Primeiro é preciso vencer o monstro de “Loch Ness”, que é o “fator amazônico” complicador, a onerar os investimentos públicos e privados, como teorizou o estudo que deu origem ao Programa Grande Carajás, em 1980.
Elaborado em inglês por encomenda da Companhia Vale do Rio Doce e depois repassado para o escaninho oficial, ele é uma das tábuas da lei amazônica, juntamente com o capítulo regional do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), concebido para vigorar a partir de 1975 pela tecnocracia, comandada pelo prussiano general Ernesto Geisel.
Apesar de todas essas atenuantes impostas, porém, a chaga é muito forte quando chega ao conhecimento da sociedade internacional. O governo procura fiscalizar, aplica multas e criou a “lista suja” para excluir os exploradores de mão-de-obra dos benefícios oficiais, mas essas iniciativas se mostram insuficientes para estancar o problema e muito menos resolvê-lo. Não só porque não acabaram com a impunidade, que resiste às multas e penalidades, mas porque não chegam até à origem dessa situação. Enquanto o “modelo” de desenvolvimento persistir, a deformidade que provoca continuará a ser congênita.
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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006).
Fonte: Gramsci e o Brasil.

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