Volta-se a se falar de revolução na América Latina. Seu epicentro é a Venezuela de Hugo Chávez. Muitos já profetizam um novo caminho latino-americano, como se fez com Cuba no passado. O problema é que agora se vive uma situação distinta: há um avanço considerável da democracia nos países que compõem o continente.
O binômio revolução–democracia marcou o século XX como termos de um mesmo problema: a superação do atraso e a conquista de uma vida digna fundada nos direitos de cidadania. Ambos os termos se alimentaram mutuamente como também manifestaram entre si antagonismos contundentes. Muitas vezes um foi a razão direta e essencial do outro; em alguns momentos, a revolução explodiu pela ausência de democracia e, em outros, pós-revolucionários, as perspectivas democráticas esvaíram-se sem remissão quando a revolução vitoriosa engoliu os anseios de democracia!
A idéia que temos de revolução nasceu com o nosso tempo. Não sem razão, os pensadores o qualificam como moderno, no sentido de identificá-lo como um tempo inovador e convulsionado. O impulso irrefreável à mudança assemelha nosso cotidiano a um tempo de revolução. Por outro lado, a democracia passou a ser pensada, a partir da última metade do século XX, como um substituto da revolução, não somente porque construir a democracia tem sido, em muitos lugares, uma épica revolucionária, como também porque se passou a compreender, de forma mais realista, os déficits democráticos das revoluções.
Na América Latina, o século XX também foi marcado pelas idéias e práticas da revolução e da democracia. A vinculação entre ambas segue essas mesmas pegadas. Entre nós, revolução foi sempre a luta por algo que se perdeu e, ao mesmo tempo, a busca de uma atualização à perspectiva do tempo da modernização nos países centrais.
Nesse contexto, o tema da democracia, no mais das vezes, apresentou-se em desequilíbrio em relação à perspectiva estrutural do programa revolucionário. À direita ou à esquerda prevaleceu sempre a idéia de que era mais correto se pautar antes pela “estrutura” do que pela “superestrutura”. Como parte dessa última, a democracia padeceu sempre de adjetivação para encontrar seu equivalente na chamada “estrutura”. Por isso, a democracia foi concebida, quase sempre, como uma alma sem corpo. E, precisamente quando mais avançávamos na direção da superação desse pesado legado, o problema reaparece em roupagens redesenhadas.
Ancorado na renda petrolífera, Hugo Chávez parece crer que não lhe faltarão recursos para a construção de uma “nova estrutura” para a sociedade venezuelana. Ao futuro a ser construído no país, el comandante atribui a incógnita denominação de “socialismo do século XXI”. Utilizado por muitos analistas, o conceito de populismo demonstra aqui a sua total inutilidade, desvelando seu rotundo fracasso.
O que ocorre, de fato, é que Chávez, no curso da sua “revolução política”, busca legitimar e aprofundar a sua concepção de “democracia revolucionária”. E nesta, por sua lógica e dinâmica interna, estará facultado o predomínio da revolução sobre a democracia, uma vez que o “processo” busca instalar as instituições que supostamente darão suporte à “nova estrutura”. Da mesma forma que em outras revoluções históricas, tal movimento estará previamente justificado como parte do que se deve atribuir às “necessidades históricas”.
Ao buscar intencionalmente uma resignificação para o nexo revolução–democracia, Chávez poderá estar criando ou mesmo antecipando as condições de um novo divórcio entre essas duas dimensões.
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Alberto Aggio é professor livre-docente de História da América da Unesp, campus de Franca.
Fonte: Gramsci e o Brasil.
O binômio revolução–democracia marcou o século XX como termos de um mesmo problema: a superação do atraso e a conquista de uma vida digna fundada nos direitos de cidadania. Ambos os termos se alimentaram mutuamente como também manifestaram entre si antagonismos contundentes. Muitas vezes um foi a razão direta e essencial do outro; em alguns momentos, a revolução explodiu pela ausência de democracia e, em outros, pós-revolucionários, as perspectivas democráticas esvaíram-se sem remissão quando a revolução vitoriosa engoliu os anseios de democracia!
A idéia que temos de revolução nasceu com o nosso tempo. Não sem razão, os pensadores o qualificam como moderno, no sentido de identificá-lo como um tempo inovador e convulsionado. O impulso irrefreável à mudança assemelha nosso cotidiano a um tempo de revolução. Por outro lado, a democracia passou a ser pensada, a partir da última metade do século XX, como um substituto da revolução, não somente porque construir a democracia tem sido, em muitos lugares, uma épica revolucionária, como também porque se passou a compreender, de forma mais realista, os déficits democráticos das revoluções.
Na América Latina, o século XX também foi marcado pelas idéias e práticas da revolução e da democracia. A vinculação entre ambas segue essas mesmas pegadas. Entre nós, revolução foi sempre a luta por algo que se perdeu e, ao mesmo tempo, a busca de uma atualização à perspectiva do tempo da modernização nos países centrais.
Nesse contexto, o tema da democracia, no mais das vezes, apresentou-se em desequilíbrio em relação à perspectiva estrutural do programa revolucionário. À direita ou à esquerda prevaleceu sempre a idéia de que era mais correto se pautar antes pela “estrutura” do que pela “superestrutura”. Como parte dessa última, a democracia padeceu sempre de adjetivação para encontrar seu equivalente na chamada “estrutura”. Por isso, a democracia foi concebida, quase sempre, como uma alma sem corpo. E, precisamente quando mais avançávamos na direção da superação desse pesado legado, o problema reaparece em roupagens redesenhadas.
Ancorado na renda petrolífera, Hugo Chávez parece crer que não lhe faltarão recursos para a construção de uma “nova estrutura” para a sociedade venezuelana. Ao futuro a ser construído no país, el comandante atribui a incógnita denominação de “socialismo do século XXI”. Utilizado por muitos analistas, o conceito de populismo demonstra aqui a sua total inutilidade, desvelando seu rotundo fracasso.
O que ocorre, de fato, é que Chávez, no curso da sua “revolução política”, busca legitimar e aprofundar a sua concepção de “democracia revolucionária”. E nesta, por sua lógica e dinâmica interna, estará facultado o predomínio da revolução sobre a democracia, uma vez que o “processo” busca instalar as instituições que supostamente darão suporte à “nova estrutura”. Da mesma forma que em outras revoluções históricas, tal movimento estará previamente justificado como parte do que se deve atribuir às “necessidades históricas”.
Ao buscar intencionalmente uma resignificação para o nexo revolução–democracia, Chávez poderá estar criando ou mesmo antecipando as condições de um novo divórcio entre essas duas dimensões.
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Alberto Aggio é professor livre-docente de História da América da Unesp, campus de Franca.
Fonte: Gramsci e o Brasil.
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