O fim da esquerda
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Entrevista concedida ao jornal O Globo pelo Francisco de Oliveira, professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da USP, ex-PT, sobre a vitória de Lula e o fim da esquerda no País:
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Entrevista concedida ao jornal O Globo pelo Francisco de Oliveira, professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da USP, ex-PT, sobre a vitória de Lula e o fim da esquerda no País:
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Confira parte da enrevistas
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No segundo turno da eleição, depois de ter votado em Heloísa Helena, o senhor disse que votaria em Lula por acreditar que haveria espaço para a esquerda no segundo governo dele. Recentemente, mostrou-se desiludido com essa perspectiva. Arrependeu--se do voto?
Francisco de Oliveira - Sou um herege sem arrependimento. Achei que como ele (Lula) dependia de votos, pensei que numa conjuntura como aquela talvez a esquerda pudesse pressionar para ampliar uma brecha possível. Mas as primeiras declarações dele já foram de que não ia haver modificação nenhuma. Minha posição mais recente tem a ver com o reconhecimento de que eu me equivoquei. Não estou arrependido de nada porque a tentativa era exatamente abrir um espaço maior para a esquerda que reivindica mudanças.
Qual o espaço de atuação da esquerda hoje, então?
Oliveira - Nenhum. A esquerda foi massacrada. O próprio PSOL, com o qual tentei contribuir, não existe praticamente. Essa vitória retumbante de Lula no segundo turno tirou qualquer perspectiva da esquerda, dentro ou fora do PT.
Por quê?
Oliveira - Porque Lula converteu-se num mito, e o mito é antipolítico por excelência. Ele se coloca acima das classes, dos conflitos. Com o mito você não faz política. E Lula converteu-se num mito.
As urnas legitimaram esse mito?
Oliveira - Sem dúvida nenhuma, por caminhos que são quase impossíveis de decifrar completamente. E este programa do Bolsa Família é extremamente perigoso, deste ponto de vista.
O que significa isso?
Oliveira - O Bolsa Família é a base dessa hegemonia torta. A ficha me caiu quando eu vi um filme sobre a África do Sul, "Infância roubada". Eles derrotaram um dos regimes mais nefandos do século XX. Pois bem, a África do Sul, exatamente através de um mito, que é Mandela, derrotou o apartheid. Para quê? Para as enormes favelas da África do Sul (pausa). Joanesburgo é um horror. Adota a política neoliberal mais ortodoxa possível, foi derrotado pelo neoliberalismo. É a hegemonia às avessas. Você derrota o apartheid para servir aos senhores do apartheid.
Vê um paralelo dessa situação com a vitória de Lula?
Oliveira -Vejo. Talvez não tenha as mesmas cores dramáticas. Mas vejo algo parecido. Você derrota a poderosa discriminação social brasileira, o preconceito de classe absurdamente alto num país com tradição racista, para quê? Para governar para os ricos. E os ricos consentem, desde que os fundamentos da exploração não sejam postos em xeque. É o que o PT faz. É o que o governo do Lula faz. É ao avesso, portanto. A característica da hegemonia às avessas é que a política não passa pelo conflito de classes. Desviou-se.
Lula se apresenta como o presidente dos pobres e reclamou por que não era o presidente dos ricos. Há essa dicotomia ou é o exercício do mito?
Oliveira - É o exercício do mito. Ele não entende. Segundo a lógica do Lula, que é elementar - todos acham que ele é um gênio político; não é coisa nenhuma - como você favoreceu certas capas da sociedade, elas deviam retribuir com o voto. Ele se sente injustiçado. Mas é o mito em ação. Ele anula ou simula uma anulação dos conflitos sociais. Hoje se vê o maior consenso. Todo mundo achando que "o governo não é nenhuma maravilha, mas tem Bolsa Família". É um desastre. Por isso a esquerda não tem espaço. Vá convencer algum elemento popular de que o Bolsa Família é um seqüestro da sua capacidade democrática de optar!
Num prazo maior, que conseqüências o senhor prevê que essa política produza?
Oliveira - São sérias. A exploração predatória que é feita no Brasil está legitimada. Por que Lula está tão perdido, mesmo com uma votação contundente? Porque perdeu o inimigo de classe. Do mesmo jeito que Fernando Henrique. Esse processo começou há 30 anos, são mudanças radicais.
Francisco de Oliveira - Sou um herege sem arrependimento. Achei que como ele (Lula) dependia de votos, pensei que numa conjuntura como aquela talvez a esquerda pudesse pressionar para ampliar uma brecha possível. Mas as primeiras declarações dele já foram de que não ia haver modificação nenhuma. Minha posição mais recente tem a ver com o reconhecimento de que eu me equivoquei. Não estou arrependido de nada porque a tentativa era exatamente abrir um espaço maior para a esquerda que reivindica mudanças.
Qual o espaço de atuação da esquerda hoje, então?
Oliveira - Nenhum. A esquerda foi massacrada. O próprio PSOL, com o qual tentei contribuir, não existe praticamente. Essa vitória retumbante de Lula no segundo turno tirou qualquer perspectiva da esquerda, dentro ou fora do PT.
Por quê?
Oliveira - Porque Lula converteu-se num mito, e o mito é antipolítico por excelência. Ele se coloca acima das classes, dos conflitos. Com o mito você não faz política. E Lula converteu-se num mito.
As urnas legitimaram esse mito?
Oliveira - Sem dúvida nenhuma, por caminhos que são quase impossíveis de decifrar completamente. E este programa do Bolsa Família é extremamente perigoso, deste ponto de vista.
O que significa isso?
Oliveira - O Bolsa Família é a base dessa hegemonia torta. A ficha me caiu quando eu vi um filme sobre a África do Sul, "Infância roubada". Eles derrotaram um dos regimes mais nefandos do século XX. Pois bem, a África do Sul, exatamente através de um mito, que é Mandela, derrotou o apartheid. Para quê? Para as enormes favelas da África do Sul (pausa). Joanesburgo é um horror. Adota a política neoliberal mais ortodoxa possível, foi derrotado pelo neoliberalismo. É a hegemonia às avessas. Você derrota o apartheid para servir aos senhores do apartheid.
Vê um paralelo dessa situação com a vitória de Lula?
Oliveira -Vejo. Talvez não tenha as mesmas cores dramáticas. Mas vejo algo parecido. Você derrota a poderosa discriminação social brasileira, o preconceito de classe absurdamente alto num país com tradição racista, para quê? Para governar para os ricos. E os ricos consentem, desde que os fundamentos da exploração não sejam postos em xeque. É o que o PT faz. É o que o governo do Lula faz. É ao avesso, portanto. A característica da hegemonia às avessas é que a política não passa pelo conflito de classes. Desviou-se.
Lula se apresenta como o presidente dos pobres e reclamou por que não era o presidente dos ricos. Há essa dicotomia ou é o exercício do mito?
Oliveira - É o exercício do mito. Ele não entende. Segundo a lógica do Lula, que é elementar - todos acham que ele é um gênio político; não é coisa nenhuma - como você favoreceu certas capas da sociedade, elas deviam retribuir com o voto. Ele se sente injustiçado. Mas é o mito em ação. Ele anula ou simula uma anulação dos conflitos sociais. Hoje se vê o maior consenso. Todo mundo achando que "o governo não é nenhuma maravilha, mas tem Bolsa Família". É um desastre. Por isso a esquerda não tem espaço. Vá convencer algum elemento popular de que o Bolsa Família é um seqüestro da sua capacidade democrática de optar!
Num prazo maior, que conseqüências o senhor prevê que essa política produza?
Oliveira - São sérias. A exploração predatória que é feita no Brasil está legitimada. Por que Lula está tão perdido, mesmo com uma votação contundente? Porque perdeu o inimigo de classe. Do mesmo jeito que Fernando Henrique. Esse processo começou há 30 anos, são mudanças radicais.
Lula será forte neste segundo mandato?
Oliveira - Será fraco. Perdeu a noção de quem é o adversário. Não é porque dá ministérios. É porque perdeu a noção de quem trabalha contra o desenvolvimento do país. A gente antes sabia. Hoje, não. Há o consenso, todo mundo a favor do crescimento e ele se faz a 2,5% ao ano. Qual é o mistério? É que a política perdeu a capacidade de processar o conflito de classes.
O senhor quer dizer que Lula ao chegar ao poder minou a esquerda brasileira, no sentido da capacidade de mudança?
Oliveira - Não é ele ao chegar ao poder. Lula sempre foi de direita. Isso é uma ilusão. Nunca foi de esquerda. O PT era de esquerda. Vestia uma camisa da qual ele não gostava. É como um palmeirense ser obrigado a jogar pelo Corinthians. No caso dele, o contrário (Lula é corintiano).
'Lula não tentará o terceiro mandato'
O senhor diz que os dirigentes de fundos financeiros estatais são uma nova classe social. É um fenômeno brasileiro?
Oliveira - São uma nova classe social e da forma que se apresenta, é brasileiro. A própria Constituição criou o FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador, gerido pela classe trabalhadora. Na verdade, pelo BNDES, mas tem lá um membro das centrais sindicais no conselho de administração do FAT, a maior fonte de recursos do BNDES.
A ascensão dessa classe levou ao fim do sindicalismo que produziu Lula?
Oliveira - Levou. É o que chamo de perder a noção de quem é o adversário. Com esse capitalismo em que a dominância financeira determina a direção dos processos de crescimento econômico e de acumulação de capital, você tornou-se aliado do êxito do capitalismo. Imagine um dirigente sindical no conselho do FAT. Chega um projeto para reestruturação de uma fábrica que bota para fora, de um contingente de 5 mil trabalhadores, mil. Qual é sua escolha? É um dilema real. As forças em ação são tão mais poderosas, que o caráter dos homens conta pouco. E isso, como o velho Marx dizia, muda a forma de pensar.
Qual é uma plataforma plausível para a esquerda hoje?
Oliveira - É investir poderosamente em mecanismos de distribuição de renda, tais como a Previdência Social. Fiquei feliz que o discurso do Lula mudou e agora diz que o déficit é a forma de justiça social que o país escolheu. Está correto. A Previdência foi o mecanismo mais efetivo de redistribuição de renda. No Brasil também. É preciso investir nisso, num esforço enorme de inclusão social.
No Bolsa Família não?
Oliveira - Não. Você tem que transformar o Bolsa Família em numa coisa ligada e administrada pela Previdência, que venha a fazer parte da renda dos mais pobres. E ampliar.
O senhor acredita que Lula quer um terceiro mandato?
Oliveira - Está na cabeça dele, mas não vai. Porque aí, de fato, exigiria que fosse capaz de mobilizar, e não é. Lula quer ser consagrado como pai dos pobres e estar acima da política. Já conseguiu. Para entrar nessa teria de reentrar na política. E aí o mito se esboroa.
O senhor perdeu amigos com as críticas ao PT?
Oliveira - Perdi.
Oliveira - Será fraco. Perdeu a noção de quem é o adversário. Não é porque dá ministérios. É porque perdeu a noção de quem trabalha contra o desenvolvimento do país. A gente antes sabia. Hoje, não. Há o consenso, todo mundo a favor do crescimento e ele se faz a 2,5% ao ano. Qual é o mistério? É que a política perdeu a capacidade de processar o conflito de classes.
O senhor quer dizer que Lula ao chegar ao poder minou a esquerda brasileira, no sentido da capacidade de mudança?
Oliveira - Não é ele ao chegar ao poder. Lula sempre foi de direita. Isso é uma ilusão. Nunca foi de esquerda. O PT era de esquerda. Vestia uma camisa da qual ele não gostava. É como um palmeirense ser obrigado a jogar pelo Corinthians. No caso dele, o contrário (Lula é corintiano).
'Lula não tentará o terceiro mandato'
O senhor diz que os dirigentes de fundos financeiros estatais são uma nova classe social. É um fenômeno brasileiro?
Oliveira - São uma nova classe social e da forma que se apresenta, é brasileiro. A própria Constituição criou o FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador, gerido pela classe trabalhadora. Na verdade, pelo BNDES, mas tem lá um membro das centrais sindicais no conselho de administração do FAT, a maior fonte de recursos do BNDES.
A ascensão dessa classe levou ao fim do sindicalismo que produziu Lula?
Oliveira - Levou. É o que chamo de perder a noção de quem é o adversário. Com esse capitalismo em que a dominância financeira determina a direção dos processos de crescimento econômico e de acumulação de capital, você tornou-se aliado do êxito do capitalismo. Imagine um dirigente sindical no conselho do FAT. Chega um projeto para reestruturação de uma fábrica que bota para fora, de um contingente de 5 mil trabalhadores, mil. Qual é sua escolha? É um dilema real. As forças em ação são tão mais poderosas, que o caráter dos homens conta pouco. E isso, como o velho Marx dizia, muda a forma de pensar.
Qual é uma plataforma plausível para a esquerda hoje?
Oliveira - É investir poderosamente em mecanismos de distribuição de renda, tais como a Previdência Social. Fiquei feliz que o discurso do Lula mudou e agora diz que o déficit é a forma de justiça social que o país escolheu. Está correto. A Previdência foi o mecanismo mais efetivo de redistribuição de renda. No Brasil também. É preciso investir nisso, num esforço enorme de inclusão social.
No Bolsa Família não?
Oliveira - Não. Você tem que transformar o Bolsa Família em numa coisa ligada e administrada pela Previdência, que venha a fazer parte da renda dos mais pobres. E ampliar.
O senhor acredita que Lula quer um terceiro mandato?
Oliveira - Está na cabeça dele, mas não vai. Porque aí, de fato, exigiria que fosse capaz de mobilizar, e não é. Lula quer ser consagrado como pai dos pobres e estar acima da política. Já conseguiu. Para entrar nessa teria de reentrar na política. E aí o mito se esboroa.
O senhor perdeu amigos com as críticas ao PT?
Oliveira - Perdi.
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Originalmente publicada neste Blog no dia cinco de fevereiro de 2007
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