sábado, 30 de junho de 2007

Artigo

Os erros táticos de Renan

O caso Renan tem sido, por parte de seu protagonista, uma sucessão de equívocos táticos e políticos. Abstraindo-se qualquer juízo de valor e avaliando-se os acontecimentos do ponto de vista puramente operacional, não há como deixar de considerar o amadorismo que tem pautado sua linha de atuação.

Senão, vejamos. A crise começou com denúncias da revista Veja, de que o presidente do Senado tinha contas pessoais – mais especificamente uma pensão alimentícia – pagas por uma empreiteira. Era lá, afinal, na sede da empreiteira, que a beneficiária ia receber o recurso, das mãos de um lobista, amigo pessoal do senador. A revista fez, mas não comprovou a acusação.

Renan poderia simplesmente tê-la negado (como o fez) e exigido, em vez de tentar fornecer provas. O princípio legal da presunção da inocência, que atribui ao acusador o ônus da prova, dava-lhe essa alternativa. Seria, no mínimo, sua palavra contra a dos acusadores, com ônus judiciais para estes.

Não há, em princípio, delito em ter um lobista como amigo, nem em tê-lo como intermediário de uma relação extraconjugal que descambou para o litígio. Tudo o que transcendia essa circunstância – a amizade e intermediação do amigo lobista – carecia, naquele momento, de comprovação. E o ônus da prova era do acusador – no caso a revista Veja.

Renan, porém, possivelmente inspirado pelo clássico axioma da mulher de César, de que não basta ser, mas é preciso também parecer honesto, decidiu proclamar-se inocente. Muniu-se de farta documentação, como quem não quer deixar que paire a mais remota dúvida sobre si. E haja recibo e documento, pontuando discurso veemente da cadeira de presidente do Senado.

Começam aí os seus erros: pelo local do discurso. Política, como se sabe, move-se em torno de símbolos. Tradicionalmente, o presidente do Senado, quando discursa, o faz, como seus pares, da tribuna – sobretudo quando o que está em pauta é uma questão pessoal, e não institucional. Assim o fez o senador Antonio Carlos Magalhães, que presidia a Casa quando pilhado na quebra do sigilo do painel de votação, ainda no governo FHC.

Assim o deveria ter feito Renan. Mas não fez.

E não foi só. Descuidou-se da qualidade das provas. Não basta exibir documentos em abundância. É preciso que possuam um mínimo de consistência. Bastou uma reportagem no Jornal Nacional para, aí sim, colocá-lo na defensiva. A partir dali, passou à condição de réu, de ter que provar sua inocência.

Os papéis e os personagens exibidos pela reportagem, que foi aos rincões de Alagoas, desmontaram – ou pelo menos abalaram enormemente – a sua linha de defesa. Desnecessário entrar aqui nos detalhes e perfis dos entrevistados. Foram de tal modo eloqüentes que geraram uma reviravolta no caso.

Renan estava quase absolvido pelo Conselho de Ética e, a partir daquela reportagem, viu-se em situação inversa (e adversa) – e dela ainda não se livrou, nem há sinais de que venha a se livrar.

Os vaivéns na escalação do Conselho de Ética, em busca de aliados para os postos estratégicos, constituem outro fator de desgaste, outro erro tático, de cujos efeitos predatórios todo o Senado compartilha. Nem mesmo o caso Joaquim Roriz, cujo desfecho ninguém mais discute (ou será cassado ou renunciará para evitá-lo) irá atenuar seu calvário.

Não há mais condições políticas de continuar no cargo. Se tivesse percebido isso há mais tempo, poderia ficar por aí o seu prejuízo. Mas a demora sugere mais e maiores complicações.

O senador conta agora com o recesso parlamentar de julho para diluir a crise. Um mês sem sessões. A imprensa, porém, não tem recesso. Nem a opinião pública. O contato dos parlamentares com as bases, nos estados, servirá apenas para mostrar com mais detalhes a profundidade do abismo que se cava entre a instituição e sua fonte de poder e legitimidade.



Ruy Fabiano é jornalista.

Um comentário:

Anônimo disse...

Atílio, você acertou na mosca: "o ônus da prova cabe a quem alega". Esse é princípio elementar de direito. Mas o senador Renan, por ingenuidade, desconhecimento, açodamento ou mal assessorado, ao tentar provar que tinha capacidade financeira para arcar com a pensão da filha, complicou sua vida. É certo que ele está sendo processado porque um denominado lobista pagou a pensão da sua filha, pelo que ele deve ser absolvido, porque o fato não está provado. Mas, é certo, também, que ele deverá responder a outro processo, se ficar provado que os documentos entregues ao Conselho de Ética são uma montagem. Neste caso, não haverá escapatória para o senador.