terça-feira, 19 de junho de 2007

Crônica do Márcio

PASSANDO A LIMPO
Nestes meus sete anos de magistério (parece conta de mentiroso, mas é verdade...), tenho visto muitas coisas que me surpreendem, mesmo quando penso que não existe mais possibilidades de haver alguma novidade na sala-de-aula em se tratando de relacionamento aluno-professor...
Só Deus sabe o quanto tenho lutado para manter a ordem e o capricho, por parte dos alunos, tentando conscientizá-los dos malefícios de se jogar, inutilmente, papéis no chão, riscar paredes e carteiras, jogar chiclete no piso e muitos outros aspectos que se não fossem rotina na escola, tornariam-na um ambiente mais agradável, além de contribuir para a desaceleração do “aquecimento global”: assunto, aliás que só se tornou uma preocupação real depois que começou a causar danos aos países mais ricos e industrializados do mundo, que ainda resistem às mudanças de comportamento social, urgentes para retardar o caos...
Algumas vezes, aconselhando nossos alunos, conseguimos resultados maravilhosos que nos fazem acreditar que os jovens são realmente passíveis de sofrer e provocar mudanças no meio em que vivem, outras, porém, nos desanimam e nos obrigam a conviver com papéis espalhados pelo chão, chicletes grudados nos sapatos e paredes riscadas com frases não tão agradáveis, que revelam a cultura e o pensamento de alguns de nossos adolescentes; afinal, o ser humano só escreve o que sente, salvo quando o professor o induz assuntos que desconhece.
Dia desses, me preparava para entrar numa sala de primeiro ano de ensino médio, desanimado, já que meu dia anterior não tinha sido nada produtivo, fato que frustra e faz perder o sono a qualquer professor que realmente “veste a camisa” do magistério e tem consciência de seu verdadeiro papel na sociedade... Subi as escadas contando os passos temendo ter outro dia frustrante, chego na sala e algumas alunas pedem uns minutos da minha aula para colar algumas letras na parede da sala. Indignado, minha resposta foi “não”, afinal eu havia preparado uma aula maravilhosa, cheia de conteúdo chato e “massante” que talvez me causasse a ilusão do dever cumprido...
Sentei-me com cara de bravo e fiz a chamada enquanto minhas alunas entristecidas guardavam seus recortes tão carinhosamente preparados sussurando baixinho para eu não ouvir... (mas eu ouvi...):
- “Escolhemos a aula deste professor porque pensamos que ele fosse "gente boa", mas parece que não é...”
Essa foi de cortar o coração... Terminei a chamada, resolvi liberar as alunas para realizarem seu trabalho e fiquei só observando juntamente com o restante da turma que dava apoio moral.
De letra em letra, recortadas com muito zelo e “sem nenhum professor pedir”, via-se formar uma frase altamente filosófica, muito conhecida pelos jovens e que é encontrada facilmente em qualquer caderninho de pensamentos das meninas apaixonadas ou na agenda da “piazada”: “Não faça de sua vida um rascunho, pois pode não dar tempo de passar a limpo”...
Meu Deus!... Quase cometo uma enorme injustiça com essa garotada sem chances futuras de passar a limpo, pois enquanto outros rabiscam as paredes com frases nada filosóficas, com xingamentos e palavrões, “minhas meninas” só queriam enfeitar a parede de sua sala com uma frase edificante que dispensa comentários (ou melhor, eu é que estou dispensando, porque este espaço é limitado).
Perdi uma aula, mas ganhei o dia, a semana e o ano letivo, pois percebi que nossos alunos são capazes de mudar, pacificamente o ambiente, tornando-o respeitoso e agradável. Tenho certeza que estas palavras grudadas letra a letra na parede, surtirão melhor efeito que um aviso impresso pela direção do tipo: “não risque as paredes”, ou “mantenha o ambiente limpo”.
Márcio Roberto Goes
Em tempo, passado a limpo...

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