quarta-feira, 11 de julho de 2007

Negócios à parte

Todo ano é assim: vai chegando agosto e começam as ameaças de greves pelo país afora. Neste ano, porém, há ingredientes mais complexos e o segundo semestre promete.
O primeiro desses ingredientes é que realmente a economia está se "aquecendo", como gostam de dizer os economistas, e é um bom momento para reivindicar aumentos salariais e até participação nos lucros das empresas, como querem algumas categorias.
O segundo é que está-se esgotando o excesso de condescendência das esquerdas organizadas com o governo Lula. Por muito menos do que mensalão, cuecão, dossiê e todas essas coisas, eles já estariam na rua há muito tempo contra outro governo, qualquer outro governo. Menos esse que está aí.
Cadê a CUT? A UNE? O MST? O gato comeu. Ou melhor: a velha aliança com o PT falou mais alto, pelo menos até agora. Cai o mundo, e não é com elas. Daqui em diante, isso não vai mudar muito. Mas vai crescer, sim, o alvoroço por aumentos. Amigos, amigos, negócios à parte.
Então, a hora é de ficar de olho nas centrais sindicais, que reúnem algo em torno de 15 milhões de trabalhadores, como metalúrgicos, bancários, eletricitários, químicos e petroleiros. Gente da pesada, acostumada a enfrentar, confrontar, negociar -- e ganhar. Muitas dessas categorias têm data-base agora, no segundo semestre. E muitas são particularmente fortes no setor público.
A pressão, aliás, começou cedo e por onde menos se esperava. Primeiro, a greve de 30 de março dos controladores de vôo, que parou o país. Um sucesso (sob o ponto de vista deles). Agora, a ameaça dos funcionários da Infraero, a estatal responsável pela infra-estrutura dos aeroportos, não só de parar em pleno Pan, mas também de levar junto parte dos aeronautas. Imagine só a festa.
A ameaça foi até manchete de jornal, mas a Infraero aumentou a proposta de reajuste para 6% e é possível que, na assembléia marcada para a próxima sexta-feira, a greve já esteja adiada "sine die". Vamos ver. E vamos ver, também, o grau de mobilização que a categoria mantém. Se não for agora, a greve pode ser a qualquer momento. No ano que vem, por exemplo.
Além disso, o Pan animou funcionários municipais, estaduais e federais a acenarem com greves e tumultos no Rio, o que seria desconfortável para todos e desgastante para a imagem não só da cidade, mas do país (imagem que, aliás, já não está uma maravilha). E os policiais já estão sendo os primeiros a "aquecer" a turma.
Enquanto isso, os funcionários do governo na área de cultura (arqueólogos, historiadores, arquitetos, bibliotecários...) estão em greve há quase dois meses, mas ninguém fala, ninguém vê, ninguém ouve. Ninguém dá bola. Afinal, não é, gente, cultura é cultura... Como se não valesse nada.
Entre as cerca de 130 categorias existentes no serviço público, os salários da cultura estão em 121º lugar. E a categoria não chega a 4.000 em todo o país, recheada de mestres e doutores. Seria um aumento justo e baratinho. Mas o governo empurra com a barriga, joga de um ministério para outro. "Logo o governo do PT!", gritam, indignados, os líderes do movimento.
Moral da história 1: "Quem pode pode" e "quem grita mais alto consegue".
Moral da história 2: "Quem te viu, quem te vê..."
Eliane Cantanhêde

Nenhum comentário: