domingo, 22 de abril de 2007

Ó Brasil, hoje és nevoeiro...

Ó Brasil, hoje és nevoeiro...
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
(“Mensagem”, de Fernando Pessoa. Terceira Parte – O encoberto: Quarto Tempo - Nevoeiro).
Por sentir o Brasil no nevoeiro, tive a ousadia de usar um verso de Pessoa para falar dessa sensação. Nada é o que parece ser, nada parece estar trilhando os caminhos que parecia trilhar, ninguém parece ser o que é, não reconhecemos mais nem a paisagem, nem as pessoas. Está tudo envolto em denso nevoeiro.
Nesta semana, que hoje tem seu último dia útil, vimos desmoronar a Justiça. Desembargadores, juízes, delegados, policiais federais, civis e militares, advogados, procurador, bicheiros, presos pelo mesmíssimo crime! Fortunas encerradas atrás de paredes falsas, cofres eletrônicos, automóveis importados, relógios de marca, luxo obsceno, indecente, inexplicável. Um sujeito é presidente da Associação dos Bingos. Mas o bingo não foi proibido? Não estão fora da lei as casas de bingo? Então, como é possível uma Associação de Bingos existir e ter até um presidente? Tem mais: um deles alega que importa dentro dos rigores da lei as máquinas caça-níqueis que são proibidas por lei!
Outra estranha sociedade, é a Liesa, chefiada por bicheiros, que no Carnaval é Lei, manda e desmanda, é paparicada, todos querem assistir aos desfiles e não se importam, ao contrário, de serem vistos ao lado dos capitães do bicho. Políticos, atores, socialites, jornalistas, desfilam pela avenida com crachás confeccionados e distribuídos pela Liga Independente das Escolas de Samba, que é quem gerencia os desfiles, repassa os lucros para as escolas do Grupo Especial, e escolhe os jurados que irão definir a vencedora. Nessa época do ano, parece que o nevoeiro fica ainda mais cerrado.
Nos jornais também leio sobre a possível nomeação do professor Roberto Mangabeira Unger, filósofo, catedrático de direito em Harvard, membro da Academia de Artes e Ciências dos EUA, uma pessoa com as melhores credenciais, para chefiar, com status de Ministro, a Secretaria Especial de Ações a Longo Prazo, o 36º ministério. Com esse currículo, qual o problema? Bem, o problema é o medo que tenho desse cidadão acima de qualquer suspeita ser um pouquinho, como dizer sem ofender o ilustre senhor? Digamos, um bocadinho aloprado, já que em 15 de novembro de 2005, ele escreveu uma carta forte, com 10 parágrafos, intitulada ‘Pôr fim ao governo Lula’, publicada na Folha de São Paulo, pregando o impedimento do Presidente da República. Entre outras coisas igualmente graves, ele diz:
“Afirmo que o presidente, avesso ao trabalho e ao estudo, desatento aos negócios do Estado, fugidio de tudo o que lhe traga dificuldade ou dissabor e orgulhoso de sua própria ignorância, mostrou-se inapto para o cargo sagrado que o povo brasileiro lhe confiou”.
Depois de reler esse desabafo e de tornar a olhar a foto do Presidente Lula junto ao professor num comício em Mossoró, RN, na campanha de 2006, sem querer ser impertinente, mas sendo, com certeza a credencial mais importante para esse Longo Prazo deve ser o forte sotaque do professor. Para se fazer compreender, com aquele sotaque de americano acabado de desembarcar, só mesmo a longo, longuíssimo prazo...
Ontem, o senador Tasso Jereissati, presidente do PSDB, foi recebido com pompa e circunstância no Palácio do Planalto, tendo como guia e recepcionista a senadora Roseana Sarney, líder do Governo no Congresso Nacional. Aparentemente, ficaram todos encantados com ‘estepaiz’ que se civiliza, onde situação e oposição se dão as mãos, como se estivessem novamente formando a tal corrente pra frente. Mas eu, que tinha acabado de reler a carta do professor Mangabeira Unger, fiquei é impressionada com os poderes de oráculo do professor. No sétimo parágrafo, ele diz o seguinte:
“Afirmo que a oposição praticada pelo PSDB é impostura. Acumpliciados nos mesmos crimes e aderentes ao mesmo projeto, o PT e o PSDB são hoje as duas cabeças do mesmo monstro que sufoca o Brasil. As duas cabeças precisam ser esmagadas juntas”.
Samba do Crioulo Doido ou denso nevoeiro?
Sinto muito, mas creio que Sergio Porto seria o primeiro a pedir que não usássemos sua rica poesia para descrever o que se passa no Brasil e, sobretudo, no Rio. Tornamos a ser palco de um massacre, em plena luz do dia, numa artéria das mais importantes desta cidade, de um tiroteio, como se estivéssemos em guerra, uma verdadeira batalha. Nem mais os cemitérios são respeitados. Bandidos se escondem em suas aléias e os policiais ficam de campana nas janelas das capelas, com os mortos ali, quietinhos em seus caixões, à espera do silêncio que tarda, da tão indesejada paz dos cemitérios, mas que nesse momento seria sinal de respeito, respeito que já perderam por nós, os cidadãos, e que nos estamos começando a perder por todos.
13 mortes no Catumbi, 20 mortes no total, contando crimes em outras partes da cidade; em São Paulo, num assalto no Tatuapé, 7 mortos. Crimes que já vão se tornando banais, e nossos jornais e programas de televisão preocupados em analisar o assassino da Virgínia. A guerra é aqui. O problema lá é muito outro. E a Virginia fica longe. Mais apropriado é analisarmos o que se passa aqui, debaixo de nossos narizes e continuar a martelar não somente por leis mais severas, mas sobretudo por leis que façam as leis serem cumpridas.
O brasileiro parece anestesiado. No Congresso, o deputado Arlindo Chinaglia, Presidente da Câmara dos Deputados, afasta a Imprensa do plenário; depois da tentativa, felizmente frustrada, de impedir o acesso dos jornalistas à Intranet parlamentar, com essa manobra do deputado paulista, razão tem o El País em calcular que o PT é alérgico à Imprensa.
O nevoeiro se adensa. Quem sabe o que veremos quando e se for dissipado?
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Maria Helena Rubinato

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