sábado, 7 de março de 2009

A salada indigesta de Lula

O pragmatismo de Lula excede em muito o do PT. A eleição de Fernando Collor para a presidência da Comissão de Infra-Estrutura do Senado – instância que acompanhará naquela casa legislativa as obras do PAC -, derrotando a petista Ideli Salvati (SC), provocou ira cívica e moral no senador Aloizio Mercadante.

Mas Lula, muito pelo contrário, disse não apenas que não se surpreendeu, como recomendou que se fizesse “uma boa salada” do resultado. Em português claro, mandou o partido aceitar os fatos e tirar proveito deles. Entender-se com os vencedores.

Há muito Lula familiarizou-se com os métodos da chamada política fisiológica. Considera-a – e não se pode dizer que está inteiramente errado – inevitável. Assimilou o princípio da Realpolitik, segundo o qual, quando não se pode derrubar, adere-se.

Nisso, está sendo bem mais coerente que Mercadante, Ideli, Tião Viana e companhia. Afinal, esses personagens, tomados de súbito surto de indignação, não a tiveram quando se tratou de defender o mandato de Renan Calheiros, acusado, ano passado, de práticas incompatíveis com o mandato de senador.

Ideli, aliás, esteve na linha de frente da tropa de choque de Renan, que lhe preservou o mandato. O mesmo Mercadante que não aceitou a vitória de Collor considerou-o “um senador legítimo” (e de fato o é) quando o ex-presidente da República proferiu seu primeiro (e até aqui único) discurso da tribuna. Sustentou que, purgada a punição do impeachment, que o privou por oito anos dos direitos políticos, estava reabilitado pela vontade das urnas.

Se está reabilitado e disputou no voto a presidência daquela comissão, a indignação de Mercadante nada mais é que o choro dos vencidos. Ou Collor, Renan e companhia são indignos do mandato que exercem – e nesse caso não poderiam ter sido defendidos em nenhuma hipótese pelo PT – ou são dignos e, nesse caso, têm o direito de ocupar cargos no âmbito da instituição que integram. Não há meia dignidade, como não há meia gravidez.

A questão é que, quando convém, o PT recorre ao discurso ético e torna-se oposição de si mesmo. Silencia diante de discursos como o do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que acusou seu próprio partido de corrupto, bem como ao governo Lula, de que é aliado. Se Renan adquiriu sobrevida política e voltou a ocupar cargo de destaque – o de líder do PMDB no Senado -, deve-o exatamente ao PT. Lula, quanto a isso, foi simplesmente coerente.

Resumiu a ópera lembrando que a eleição de Collor é subproduto da eleição de Sarney, por sua vez conselheiro e um dos mais leais aliados do governo Lula. Se há alguma coisa que Lula não quer é exatamente brigar com aliados – e todos os que elegeram Collor, incluindo o próprio, são aliados do governo federal.

Pragmatismo (esse o termo técnico em voga; há outros, menos técnicos) é o que não falta ali. Collor elegeu-se presidente da República fazendo de Sarney o bode expiatório das danações nacionais. Disse dele coisas gravíssimas. Hoje, são aliados.

Renan foi levado ao céu e ao inferno no mesmo governo Collor, de que foi líder e depois adversário, perdendo uma eleição para governador de Alagoas e amargando o ostracismo de ficar sem mandato graças à oposição de seu ex-aliado, a cujo processo de impeachment se engajou.

Enquanto tudo isso ocorria, o PT denunciava a todos como ladrões e corruptos. Hoje, estão todos juntos, não obstante desentendimentos pontuais, como o da eleição de Collor para a Comissão de Infra-Estrutura. Lula está certo quando manda o PT secar as lágrimas e providenciar uma salada com o resultado.

Salada é um nome bem apropriado. Esqueceu-se de adjetivá-la: indigesta.



Ruy Fabiano é jornalista

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