quinta-feira, 12 de março de 2009

Ainda a Embraer, Lula, demagogia e Napoleão

Ainda a Embraer, Lula, demagogia e Napoleão

O caso das demissões da Embraer se arrasta em demagogia, inconsequência e começa a se tornar um péssimo precedente. A Justiça enrola o caso. Lula, depois de recuar na demagogia, voltou a dizer que o trabalhador não pode ser "punido" com demissões devidas à crise mundial (agora, aliás, também brasileira). "Não me peçam para fazer o trabalhador pagar por essa crise", disse Lula.

Mas o que Lula entende por "crise"? Em última análise (e a mais importante) crise significa desemprego, ponto. Se não houvesse desemprego, não haveria crise alguma. Não faz lé com cré o que diz Lula.

Como escrevi em outro post ("Populismo, Lula e Embraer na Justiça"), é muito difícil saber se uma empresa exagera ou não quando corta salários e empregos (ou deixa de aumentar salários e o número de empregos, em tempos melhores). Como as empresas têm mais poder, a balança pende para o lado dos proprietários. Mas daí a aceitar uma intervenção do Estado, caso a caso, na administração de cada empresa vai uma longa distância. Enfim:

1) Por que apenas a Embraer? Decerto suas demissões são uma massacre, uma razia que vai afetar e muito a avançada economia da região de São José dos Campos e do Estado de São Paulo, o centro industrial e financeiro do país. Nem é preciso lembrar o desastre humano que as milhares de demissões representam. Mas empresas de espécie e tamanho variados estão demitindo. Várias delas até lamentando-se por fazê-lo (não por "humanidade", embora esse possa ser até o caso). Mas empresas que demitem lançam fora também investimentos em treinamento e a cultura acumulada de trabalhadores. Estão deitando fora um ativo. Não são "coitadinhas". É apenas um fato. Em suma, por que não há encrenca com essas outras milhares de empresas? Por demagogia, política midiática etc;

2) A intervenção caso a caso do Estado, além de inviável, não vai resolver o problema da distribuição do produto do trabalho, dos lucros, enfim, dos ganhos de produtividade. Não se trata aqui da defesa de "sagrados" (por quem?) direitos de propriedade (que faz séculos são relativos: normas, "regulação", e impostos são exemplos óbvios da restrição ao direito de propriedade, e é bom que o sejam). Mas o que vai fazer o Estado (por meio do Executivo ou da Justiça)? Administrar as empresas? Todas as milhares de empresas do Brasil?

3) Já que estamos falando de política, por que os sindicatos estão tão desorganizados, divididos e tão pouco ativos nesta crise? Porque ficaram pelegos, com cargos e interesses imbricados aos do governo?

4) Suponha-se que, no limite, empresas como a Embraer sejam proibidas de demitir. Suponha-se também que a Embraer esteja fazendo o que é preciso para a sua sobrevivência saudável. Então, sem demitir, a empresa começa a ficar sem caixa, tal como as montadoras americanas. Como é que vai ser? "Deixa quebrar"? Ou "o governo não pode deixar uma empresa como a Embraer quebrar"? Subsidiar empresa quebrada é uma solução melhor?

5) É irrelevante que a Embraer receba auxílio indireto de fundos públicos, como os financiamentos do BNDES para seus clientes. Ou bem se acha que o BNDES é necessário, dadas as restrições do mercado financeiro brasileiro ou do financiamento para empresas brasileiras, ou deixa-se a empresa se virar sozinha. Ou estatiza-se a empresa (o que não me parece uma boa solução) ou deixa-se que ela se administre. Colocar restrições em regra à atividade de cada empresa vai criar apenas ineficiências e, dado os presentes costumes da maior parte do Estado brasileiro, mais favores e corrupção;

6) Ideias como vincular empréstimos do BNDES à criação ou à manutenção de empregos é outra tolice. Suponha-se que uma empresa pegue dinheiro do BNDES para melhorar sua tecnologia e produtividade. A empresa investe, melhora, torna-se mais produtiva, ganha mercado, mas não cria nenhum emprego. Ou seja, cumpriu a cláusula de "manutenção do emprego" _deixando de criar empregos. O que deveria ter feito? Ficar sem o empréstimo do BNDES, ficar menos eficiente, perder mercado e fechar? Não faz o menor sentido. Com essa mentalidade, ainda estaríamos no tempo em que o algodão e a lã eram fiados em rocas, a tecelagem era caseira e as roupas eram costuradas também em casa. Isto é, antes da Revolução Industrial.

7) O caso Embraer, embora grotesco, é mais um exemplo da falta de rumo, de ideias e princípios da esquerda. A esquerda não discute nada de sério:

a) A esquerda não discute tributação, a multidão de subsídios esquisitos e ineficientes distribuídos a este ou aquele setor;

b) Não discute a melhoria da tributação, que deveria incidir sobre a renda dos mais ricos, e não sobre empregos e sobre produtos consumidos pela maioria pobre;

c) Não discute uma reforma progressista da lei do trabalho, que, no entanto, vai sendo desmontada aos poucos com a anuência das próprias centrais sindicais (lei, aliás, que cobre apenas metade dos trabalhadores, pois o "resto" não tem direito algum, pois são "informais");

d) Não discute o caótico, fantasista e perdulário Orçamento federal, pulverizado em milhares de ações e "programas" perdidos e pulverizados, travado por vinculações ineficientes e outras aberrações;

e) Não discute o horroroso sistema de saúde pública, no qual as pessoas esperam meses por uma consulta urgente;

f) Não discute os milhares de homicídios e outras violências, que na larguíssima maioria dos casos inferniza ou acaba com a vida dos mais pobres.

Seria possível ocupar o alfabeto inteiro e mais um pouco.

Como adendo e de passagem, observe-se que Karl Marx, no "18 Brumário" detonava o cretino Luís Napoleão por criar o caos na gestão da economia capitalista, entre outros motivos. Napoleão, aliás, também tinha "azia" quando lia a imprensa e tinha um monte de amigos que fazia negociatas com o dinheiro público. Como Chávez, fez um plebiscito para ratificar o continuísmo (na verdade, o golpe de Estado que acabou por motivar o livro de Marx). Mas chega de sarcasmo histórico, embora o livro de Marx ainda hoje suscite alguma tentação de paralelismo quando pensamos no presidencialismo bonapartista brasileiro);

ENFIM: ONDE ESTÁ A ESQUERDA? Brincando de maluquices importadas dos Estados Unidos (cotas) e, no caso mais comum, procurando um empreguinho no Estado, ou uma verbazinha para sua ONG e coisas assim. Nem mais política com "p" maiúsculo faz, vide a apatia e peleguismo sindicais (para não dizer coisa pior), o atrelamento dos movimentos sociais restantes ao Estado, a ausência de projetos de reforma etc etc.


Escrito por Vinicius Torres Freire

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