terça-feira, 17 de março de 2009

FUSTIGADOS PELO DESENCANTO

Chico Alencar

Como desafio aos cerca de 60 mil senadores, deputados e vereadores deste país, fustigados pelo crescente desencanto, elenco uma espécie decálogo para o bom exercício parlamentar, inspirado no contrato republicano e no auto-questionamento que nossa democracia representativa de baixa intensidade provoca. Quiçá ele ajude a discernir os mandatários que cumprem a delegação que lhes foi dada dos desprovidos de espírito público.

1) SERVIÇO: é quando o parlamentar sabe que o mandato que recebeu do povo é um poder de serviço e não meio para usufruir de imunidades, regalias e influência nas altas rodas da sociedade. Realizar um mandato de serviço é praticar nele a opção preferencial pelas maiorias, para que estas - as que mais precisam dos serviços públicos - conquistem seus direitos sociais.

2) COLETIVISMO: é quando o parlamentar sabe que o mandato não é do indivíduo mas expressão de uma vontade coletiva, representando o querer justo e consciente de grupos e classes sociais. E sabe exercê-lo dessa forma, compreendendo que tem missão temporária de alta relevância, e não mero emprego.

3) CAPACIDADE DE OUVIR: é quando o parlamentar e sua equipe escutam tanto “a voz rouca das ruas” quanto cada um que chega, aflito, buscando a solução de seu problema individual - e sendo pedagogicamente orientado para a luta coletiva. Parlamentar não é quem parla muito, mas o que encontra tempo para ouvir, e também aprende com a audiência.

4) SENSO DE JUSTIÇA: é quando o parlamentar descobre que “certas leis são como salsichas: é melhor não saber como foram feitas”. Algumas são elaboradas apenas para assegurar privilégios: o legislador que busca a justiça procura, em todo projeto, separar o interesse público do interesse particular.

5) COERÊNCIA: é quando o parlamentar faz o que fala, pratica o que prega, realiza o que promete, concretiza no mandato o que proclamou na campanha. É quando ele não aceita que os fins justifiquem os meios, pois sabe que os meios já são os fins, em processo de realização. E tenta seguir a orientação de Mahatma Gandhi: "seja a mudança que você quer no mundo”.

6) HONESTIDADE: é quando o parlamentar age com transparência e não aceita acordos obscuros. É quando ele reage até com ira santa, denunciando todo tráfico de influência, toda oferta de vantagens, toda negociata.

7) FRANQUEZA: é quando o parlamentar reage à voz corrente que diz, com boa razão, que a política é o reino da mentira, da falsidade, da hipocrisia. É quando ele diz o que pensa, afirma suas convicções, não tem medo de ser sincero, não oculta a realidade por conveniência.

8) GENEROSIDADE: é quando o parlamentar não perde a sensibilidade para com a dor dos outros (com-paixão), sobretudo dos anônimos, cujo sofrimento "não sai nos jornais". É quando ele continua vendo cada ser humano como pessoa. Como portador de direitos e não de um título eleitoral.

9) SIMPLICIDADE: é quando o parlamentar entende que um mandato popular, por mais honroso que seja, não deve mudar sua maneira de ser nem seus hábitos de vida. É quando ele sabe diferenciar o ser simples do ser simplório, superficial, simplificador do que é complexo.

10) PROFUNDIDADE: é quando o parlamentar sabe ir fundo sem tornar-se prolixo. É quando ele reconhece que precisa buscar novas informações, sempre, pois não há soluções fáceis para problemas difíceis. E faz a ponte entre o saber erudito, das universidades, e o saber popular, aquele rico aprendizado do povo adquirido na escola da vida.

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