quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Procura-se o bode expiatório!
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Explodem mensalões e sanguessugas? A solução é a reforma política. Queimam-se pessoas vivas num ônibus? Apresse-se o pacote antiviolência. Arrastaram um menininho de seis anos pelo cinto de segurança até a morte? Reduza-se a maioridade penal.
É assim, aos soluços, solavancos e pacotes que nunca dão em nada, que vamos vivendo --e sofrendo. Baixou a poeira de mensalões, sanguessugas, ataques do PCC e reportagens dramáticas sobre pais e mães que sofrem? Pronto, não se fala mais nisso. Até o próximo escândalo, ou até o próximo crime bárbaro.
A corrupção continua correndo solta, o crime organizado continua atacando inocentes para colocar as autoridades contra a parede, balas perdidas cruzam os ares e as vidas, menores continuam sendo transformados em monstros, inocentes continuam sendo mártires.
Por trás de todas essas barbaridades, há uma distribuição de renda tão perversa quanto antiga, há um Estado que se recusa a ser Estado e há uma pressão de opinião pública que vem e vai ao sabor dos ventos e dos acontecimentos. Nada tem conseqüência.
Tão escandalizada quanto impotente, a sociedade não vislumbra saídas e reage como pode, ou seja, com passionalidade. Quer um culpado. Quer sangue. E é aí que estremeço. Nesses casos, o "culpado" é sempre o lado mais fraco.
A discussão sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, ou até para 13, como pretendem alguns projetos apresentados no Congresso, não visa resolver problema nenhum. Visa apenas fingir que há "justiça". Um auto-engano coletivo, quando na verdade é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado --aquele que sofre quando é criança e faz sofrer quando vira adolescente.
Assim como ele se vinga, amplos setores da sociedade querem se vingar nele. Um círculo vicioso, enquanto o verdadeiro culpado --o Estado-- continua impune. As causas se mantêm intocadas.
Justo, justíssimo, que a família do pequeno João Hélio esteja tão desesperada e clamando pela punição drástica dos responsáveis por sua morte tão brutal. Quem de nós não estaria? A mãe, o pai, a irmã, todos merecem toda a solidariedade do mundo. E, óbvio, os responsáveis precisam ser punidos. Mas não é com a pena de morte nem reduzindo a maioridade penal que se vai dar consolo à família, nem resolver alguma coisa.
Essas medidas têm caráter de vingança, não de solução dos graves problemas do Brasil: econômico, social, político. Enquanto não se ataca o chamado "cerne da questão", não adianta trucidar meninos e meninas já tão trucidados pela vida e pelo próprio país. Eles seriam meros bodes expiatórios de uma culpa que é de todos, de cada um de nós.Que tal inverter a pauta: em vez de gastar energia com a idade penal, por que não revolucionar a educação? O debate teria menos ódio, mais conseqüência.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha e assina a coluna "Brasília" da página A-2 aos domingos, terças, quintas e sextas-feiras. Formada pela UnB, foi diretora de Redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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