segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

As razões do sucesso dos blogs
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Quais as razões do rápido crescimento do público e da influência dos blogs que tratam de política nos Estados Unidos? Em meio a uma crise de credibilidade dos grandes veículos de comunicação, os blogs conseguem oferecer aos leitores informação relevante e de qualidade, opinião transparente e sem disfarce, furos jornalísticos e uma nova pauta de temas de atualidade. Essa é a conclusão que se pode tirar do livro “Blog!: How the Newest Media Revolution is Changing Politics, Business, and Culture” (Editora CDS Books, Nova York, 402 páginas), de autoria dos americanos David Kline e Dan Burstein.Em primeiro lugar, registra-se “um grande colapso na credibilidade da mídia” ao longo da década. Eis o que diz David Kline: “A mídia está perdendo parte do respeito e confiança que já teve junto ao público. Um número considerável de americanos, talvez até mesmo uma maioria, acredita que a mídia é ou parcial ou incompetente, ou ambos”. A afirmação está no artigo de abertura, “Rumo a uma Democracia Mais Participativa”, já citado em artigo anterior aqui no Blog do Noblat.Há alguns episódios emblemáticos deste sentimento, a começar pela controvertida versão da existência de armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein. Difundida com ampla colaboração da mídia, a hipótese consistiu num dos principais motivos para a guerra contra aquele país, mas até hoje as armas não apareceram. Um caso famoso se deu em 2004, com o apresentador Dan Rather, da emissora CBS e um dos mais respeitados âncoras da história da TV americana. No programa “60 Minutes”, ele divulgou documentos mostrando que o presidente George W. Bush fora beneficiado com tratamento especial quando prestou serviço militar na década de 1970. Sem autenticidade comprovada, o papelório fajuto provocou a demissão de Rather. Em 2003, o New York Times, uma espécie de catedral do jornalismo americano, se viu obrigado a expurgar dos seus quadros o repórter Jayson Blair. Considerado o maior cascateiro da imprensa desde que o alemão Johannes Gutenberg botou sua tipografia para funcionar, Jayson Blair havia produzido dezenas de entrevistas inventadas e textos plagiados, material publicado inadvertidamente pelos editores nas páginas até então imaculadas do New York Times.“A verdade é que muitas pessoas não necessariamente confiam mais no que lêem nos jornais ou vêem na TV”, resume David Kline. Esse “grande colapso na credibilidade da mídia” se fez acompanhar de bem-sucedidas incursões dos blogs na seara do jornalismo. Mais precisamente na publicação de furos – jargão usado nas redações para designar a informação exclusiva e veiculada em primeira mão.O escorregão de Dan Rather foi um destes furos, dado pelo blog conservador Powerline, ao questionar a autenticidade dos documentos contra George W. Bush no caso da suposta proteção que teria recebido no serviço militar. Outro furo barulhento saiu nos blogs Talking Points Memo e Instapundit descobriram e noticiaram um discurso considerado racista, feito pelo senador republicano Trent Lott. Ele elogiava as opiniões segregacionistas de outro senador, Strom Thurmond, cujo centenário de nascimento estava então sendo comemorado. Prestes a se tornar líder da maioria no Senado em 2003, Trent Lott renunciou ao cargo, diante da devastadora repercussão provocada pelas denúncias dos blogs.Na linha dos furos de impacto, o blog TheMemoryHole trouxe uma chocante bateria de fotos de caixões de soldados mortos na Guerra do Iraque, feitas pelo Departamento de Estado americano e mantidas longe dos olhos do público, até então. Já o blog DailyKos, o de maior audiência nos EUA, revelou que um anúncio de campanha de George W. Bush, intitulado “Whatever It Takes”, se valia de truques digitais de imagem para fazer com que a multidão presente parecesse maior do que realmente era. O comitê de campanha retirou o anúncio de circulação. Mais um exemplo é o do BlogActive, que divulgou gravação explosiva de áudio do deputado Edward L. Schrock, opositor dos direitos dos gays. Na fita, ele encomenda favores masculinos numa linha telefônica de serviços sexuais. Com a repercussão, acabou renunciando.Outra razão do sucesso de muitos blogueiros é se apresentar ao público sem a máscara da neutralidade que costuma esconder a face política e ideológica de incontáveis atores da comunicação de massa. “O público está cansado da maneira como a grande mídia tem vulgarizado as tradições, antigamente motivo de orgulho, da objetividade e do equilíbrio na reportagem política”, assegura David Kline. Faz parte da tradição midiática “contrabandear” opinião. Embutida em material jornalístico, o texto tem cara e estilo de reportagem imparcial. O jornalista até “ouve os dois lados”, de acordo com os preceitos do manual de redação. Mas no fundo esconde-se forte componente editorial, às vezes até mesmo partidário, favorável a esse ou aquele candidato. Segundo David Kline, “os leitores parecem apreciar imensamente o engajamento e a apoio político abertos e honestos demonstrados em muitos blogs, e parecem não se perturbar com a recusa deles de posarem como objetivos”.Comparados à mídia tradicional, os blogs vêm conquistando leitores graças também à introdução de uma nova pauta de assuntos. Segundo David Kline, diversos estudos nos últimos 30 anos demonstraram que a mídia define a pauta do debate político, isto é, determina o que os americanos acreditam ser as questões mais importantes – pela prática simples de manter a atenção enfocada em algumas questões e ignorando ou minimizando outras. No livro “The Emergence of American Political Issues”, os autores Maxwell McCombs e Donald Shaw, citados por David Kline, concluem o seguinte: “Os meios de comunicação de massa podem não conseguir nos dizer o que pensar, mas conseguem incrivelmente nos dizer em que pensar”.Para resumir, eis o que diz David Kline: “Acabaram-se os dias em que a mídia dominante podia exercer monopólio sobre quais notícias e opiniões políticas seriam divulgadas ao público. Uma nova linhagem de jornalistas-cidadãos arrombou os portões erigidos pela Grande Mídia e conseguiu impor novas vozes, novas questões e novas opiniões ao discurso político da nação. Os blogueiros conquistaram, evidentemente, um lugar na mesa do bufê de oferendas da mídia de onde o público obtém agora notícias e opiniões”.Flamínio Fantini é jornalista, ex-editor executivo das revistas Veja e Istoé, em São Paulo, e ex-editor do Jornal do Brasil, no Rio. Atualmente, faz uma pesquisa sobre blogs e tendências da internet no Brasil.
Blog do Noblat

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