sábado, 21 de agosto de 2010

Roda da Fortuna

Ao observador mais experiente, o debate rasteiro e pedestre dos candidatos presidenciais não engana. A superficialidade pode ser arma de espertos e recurso daqueles que não têm muito o que dizer de diferente.

Engana-se quem pensa que com o início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV esta situação se modifique drasticamente. Até mesmo porque todos os principais candidatos já tiveram oportunidade e tempo suficientes para apresentarem suas propostas. Foram diversas entrevistas a jornais, revistas, rádios e televisão. Se tivessem algo mais consistente para mostrar, já teriam feito. No primeiro debate promovido pela TV Bandeirantes ficou evidente a ausência de um discurso aprofundado sobre idéias e programas.

Dilma Rousseff se atém a números e resultados que, de certa forma, falam por si. Por representar um governo popular cujo presidente é o grande eleitor da disputa, tende a não se aprofundar em propostas.

Já José Serra e Marina Silva são superficiais por absoluta falta de originalidade no que tange a aspectos essenciais. Nada de espetacular foi falado sobre economia, segurança pública, carga tributária, reforma política, política externa, entre outros temas, pelos candidatos de oposição.

Tal situação pode dar a impressão de que não existe uma agenda eleitoral posta na disputa e que a superficialidade é a regra. Não é verdade. Ao largo do debate presidencial, existe uma agenda “ônibus” que agrega gregos e troianos e que não está sendo devidamente considerada.

A agenda que identifico está centrada em dois vetores: o econômico e o social. A perna econômica refere-se à intenção de se manter o ciclo de desenvolvimento instalado nos últimos anos e que começa a dar frutos. A segunda perna da agenda é a questão social, que se relaciona tanto com os vetores econômicos de renda e emprego quanto com os programas assistenciais.

Segundo a FGV, a classe média brasileira (C) cresceu de 42% para 52% entre 2004 e 2008. O consumo da classe D já supera em volume o consumo da classe B. Para a FGV, uma família é considerada de classe média quando tem renda mensal entre R$ 1.064 e R$ 4.591. As classes A e B têm renda superior a R$ 4.591, enquanto a D ganha entre R$ 768 e R$ 1.064. A classe E (pobres), por sua vez, reúne famílias com rendimentos abaixo de R$ 768. De acordo com o Ipea, mais de 9,5 milhões de brasileiros deixaram a situação de indigência e mais de 18,4 milhões deixaram a situação de pobreza entre 2004 e 2008.

O Brasil deve crescer mais do que 6,5% este ano, e tal resultado decorre de uma combinação de aspectos: aumento do crédito, distribuição de renda, controle da inflação, aumento de emprego, programas assistenciais e gastos públicos, entre alguns outros. A explosão do consumo resultou no fortalecimento do mercado interno e destampou um mundo de oportunidades para empresários. Nunca se vendeu tanto para tantos. Nunca se empregou tanto no país.

Politicamente, a resultante dessas transformações econômicas e sociais está naquilo que o cientista político Cesar Romero identifica como “uma cadeia de interesses”. Nessa cadeia unem-se aliados improváveis em torno de interesses comuns: o desenvolvimento econômico e a distribuição de renda.

Quem seriam os adeptos da agenda? O grande empresariado que produz e vende. Aqueles que fornecem material para as grandes obras de infraestrutura. O sistema financeiro, que financia e transaciona o dinheiro. O comércio, que distribui e vende. O consumidor, que compra o que nunca comprou. O trabalhador, que está empregado e consumindo. Enfim, é uma roda da fortuna que gira impulsionada pelas circunstâncias atuais e que a maioria quer que continue assim.

Murillo de Aragão é cientista político

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