quarta-feira, 15 de agosto de 2007

As esquerdas precisam de biologia

Em geral, são as esquerdas que utilizam a categoria de classe social para o entendimento da sociedade, principalmente de seus conflitos e dos mecanismos de exploração de uns sobre outros a partir do lugar que cada um ocupa no processo produtivo. Esta categoria ajudou a mostrar a desumanização que multidões padecem e as formas de como enfrentá-las para que não se perpetuem e se possa construir relações que permitam o ser humano tratar humanamente a seus semelhantes. Mas a classe, por imprescindível, é insuficiente para dar conta da complexidade da sociedade. Importa inseri-la dentro de uma realidade maior, subjacente a todos os fenômenos sociais: sua base biológica. Sem a garantia da base biofísica e ecológica da vida, os problemas ficam dependurados no ar. Importa entender que sociedade e meio ambiente são interdependentes, partes inseparáveis de um único processo evolucionário e planetário. A atividade biológica representa uma propriedade de Gaia, que inclui os seres vivos, especialmente os humanos e sua infra-estrutura físico-química-informacional, expressões de um todo vivo e sistêmico. Dai que o pacto social deve ser articulado com o pacto natural. Não se pode também olvidar a segunda lei da termodinâmica, a entropia, o desgaste lento e irrefreável do uso de energia até seu esgotamento total na morte térmica. Quanto mais acelerarmos o processo produtivo e quanto mais consumirmos, mais gastamos energia e assim fazemos aumentar a entropia. O ser humano não pode deter a entropia mas pode desacelerá-la, favorecendo formações sociais com menos uso e desperdício de energia, prolongando assim o tempo de sobrevivência pessoal e coletiva.
Da consciência de classe devemos passar à consciência de espécie, da classe social à biologia social. A consciência de espécie é fundamental na relação ser humano-natureza. De nosso comportamento coletivo face às questões ligadas à biologia como a biodiversidade ameaçada, a escassez dos recursos, o crescente aquecimento global, atestado agora pelo IPCC, o problema demográfico angustiante e as questões das armas de destruição em massa, depende a sobreviência de nossa espécie homo. Esta questão ultrapassa a classe social, pois a ameaça atinge indistintamente a todos. Todavia, há que se reconhecer com os marxistas que a diminuição da desigualdade e a justiça societária são precondições para o equilíbrio sócio-ecológico que retarda os efeitos da entropia.
Jean-Paul Sartre, numa entrevista, pouco antes de morrer, ao jornal italiano La Repubblica de 14 de abril de 1980 talvez nos ajude a entender a questão. Fala da origem biológica comum e do fim da espécie humana. Diz ele:"Não somos seres humanos completos. Somos seres que se dabatem para estabelecer relações humanas e para chegar a uma definição de ser humano. É uma luta longa que consiste em procurarmos viver juntos humanamente. É pois, mediante esta busca, que não tem nada a ver com o humanismo, que podemos considerar o nosso fim. Em outras palavras, nosso fim é alcançar um corpo constituido no qual cada um se sinta ser humano e uma coletividade que se sinta também humana".
Numa linguagem da cultura humanística ele diz a mesma coisa que dissemos acima na linguagem da biologia. Falta-nos muito ainda para sentirmo-nos parte da natureza e tratarmos humanamente os humanos. Caso contrário, corremos o risco de conhecer o caminho já percorrido pelos dinossauros.
Leonardo Boff

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