quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Voto Distrital

VOTO DISTRITAL CAUSARIA UMA BAITA CONFUSÃO

por Paulo Moura, cientista político
No Brasil, fala-se em mudar o sistema proporcional pelo sistema distrital ou distrital misto sem que boa parte da imprensa e dos políticos avalie claramente as implicações e desdobramentos de uma mudança dessa magnitude. Os sistemas eleitorais organizam-se a partir da maneira como os candidatos são eleitos. Existem três modelos de sistemas eleitorais nas democracias contemporâneas: o distrital; o proporcional e o distrital misto.
Não se ouve os defensores da mudança do sistema eleitoral vigente no Brasil falar quais seriam as dimensões de cada distrito e, como conseqüência, qual a quantidade de eleitores haverá dentro dos mesmos, já que é praticamente impossível constituir distritos idênticos em número de eleitores. Como sempre insisto, mexer nas regras do jogo é mexer no resultado do jogo. Portanto, a definição da quantidade de eleitores neles existentes causará perda de poder a alguém e ganho a outrem. Basta imaginar, por exemplo, o que aconteceria se, por votação da base parlamentar atual de Lula, decidirem que os distritos das regiões onde o petista venceu em 2006 devem ser em maior número no novo sistema, embora com menos eleitores do que os distritos das regiões mais modernas do país, fazendo com que, os eleitores das regiões onde a oposição tem melhor desempenho fiquem sub-representados no parlamento.
Embora não seja condição para vigência do voto distrital, esse sistema é mais comumente usado em países de regime parlamentarista, com estrutura bipartidária de disputa e com voto em lista fechada ou flexível. A possibilidade de o eleitor definir sua ordem de preferência na distribuição dos votos dentro da lista partidária é outra variação da fórmula majoritária que foi recém engavetada pela Reforma Política em debate no Brasil. Por essa regra, são oferecidas aos eleitores, listas com a nominata dos candidatos de cada partido.
O eleitor, então, define a ordem da sua preferência, indicando o candidato que ele gostaria de ver escolhido em primeiro lugar, segundo lugar, terceiro lugar, e assim por diante. Assim, os candidatos que obtiverem menor número de votos para o primeiro lugar são desconsiderados, em seguida os de menor preferência para segundo e terceiro lugares, seguindo essa lógica até que sobre apenas o candidato que obtiver o maior número de preferências pela ordem decrescente. Os críticos dessa regra alegam que ela favorece os grandes partidos, induzindo à bipartição do sistema de partidos, já que, dessa forma, uma terceira legenda terminaria precisando obter um número muito significativo de votos para evitar tornar-se irrelevante.
O sistema distrital misto é apresentado como a panacéia de todos os males da política brasileira nos debates sobre Reforma Política. Esse sistema combina regras do sistema majoritário com as do proporcional. O sistema misto é adotado para eleições legislativas e apresenta duas possíveis variações. Pelo sistema misto, então, parte dos parlamentares se elege pelo sistema majoritário e outra parte pelo sistema proporcional. O outro modelo introduz uma correção que visa compensar, com representantes eleitos pelo método proporcional, as distorções produzidas pelo método majoritário. O sistema majoritário produz desigualdades entre o número de votos recebidos pelos partidos e o número de cadeiras conquistadas no parlamento em função de diferença de tamanho dos distritos.
Para corrigir essa distorção, o método de ajuste permite aos eleitores votar duas vezes. O primeiro voto vai para o candidato do distrito e o segundo para a lista apresentada pelos partidos. O voto que o eleitor destina ao candidato do distrito é contabilizado pelo sistema majoritário, e, vice e versa, o voto que o eleitor destina à lista partidária destina-se à eleição de uma quantidade complementar de parlamentares, através do método proporcional. Para definir-se o resultado da eleição, primeiro calcula-se o número de cadeiras obtidas pelos partidos no âmbito nacional pelo método proporcional. Em seguida, subtrai-se desse total o número de cadeiras conquistadas pelos partidos nos distritos pela fórmula majoritária. A diferença entre o número de cadeiras obtidas nas eleições distritais é compensada, assim, pelos votos em lista.
Dentre as vantagens do voto distrital estariam as restrições ao número de partidos irrelevantes, no Brasil montados a negócio, isto é, para aluguel de tempo de TV e mandatos aos grandes partidos e aos governos em busca de bancadas de maioria no parlamento. A lógica do sistema majoritário induz à necessidade de consolidação dos grupos políticos dentro das legendas partidárias para garantir a escolha dos seus candidatos únicos nos distritos e na cabeça das listas proporcionais.
No sistema distrital, então, cada partido indica apenas um candidato por distrito e cada distrito elege apenas um deputado. Assim, pelo menos em tese, seria eliminada ou inibida a guerra intrapartidária por candidatos de uma mesma legenda que disputam a mesma base eleitoral como ocorre hoje no sistema proporcional. O sistema proporcional brasileiro, devido a essa característica, incentiva a traição à legenda e estimula dobradinhas espúrias entre candidatos a deputado federal e estadual de partidos programaticamente divergentes. O correligionário que disputa a mesma base eleitoral é tratado como inimigo e o candidato de outro partido que prejudica um correligionário, então, é tratado como aliado numa dobrada informal, já que a lei eleitoral proíbe esse tipo de aliança entre candidatos de partidos não coligados.
O sistema distrital majoritário tenderia, também em tese, a provocar a redução dos custos das campanhas eleitorais. Os candidatos ao parlamento passariam a concorrer dentro de bases geográficas menores, sendo que cada partido se concentraria na campanha de um representante único por distrito. Os críticos dessa proposta afirmam que a eleição distrital transforma os parlamentares em vereadores federais. De certa forma, isso também vigora no sistema proporcional e não impede o debate político dos grandes temas nacionais pelo parlamento, pois quem pauta temas nacionais são os governos e os partidos, exigindo posição dos parlamentares.
O problema do sistema majoritário é que, dadas suas características, a representação da minoria derrotada nos distritos fica prejudicada. O eleitorado do distrito do candidato perdedor, nesse caso, passa a ser representado no parlamento pelo único candidato distrital eleito por outro partido. Em tese, igualmente, a eliminação da representação da minoria no parlamento, ou seu enfraquecimento diante da maioria, teria conseqüências sobre a balança do poder em âmbito nacional, pois o governo poderia, facilmente, passar o rolo compressor sobre a oposição, desobrigando-se da negociação.
Na Inglaterra, onde vigora o voto distrital puro, o sistema é bipartidário de fato, e o regime é o parlamentarismo. Lá não existe Constituição escrita, mas há sólida tradição cultural de respeito à minoria. O sistema proporcional, então, além de garantir a liberdade e o direito de o eleitor escolher seu candidato, com todas as mazelas do fisiologismo reinante, obriga o governante de plantão a negociar, conciliar e moderar suas virtuais inclinações autoritárias.
Como se vê, toda a regra tem vantagens e desvantagens. Diante disso, a pergunta é: dada a imprevisibilidade sobre a definição dos distritos eleitorais e do resultado do jogo após essa definição, estariam nossos ilustres parlamentares inclinados a correr o risco de mudar as regras que lhes garantiram os atuais mandatos?Duvido.

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