quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Polêmica

JK: Morte acidental?

Duas da tarde de 22 de agosto de 1976, domingo. No quilômetro 2 da Via Dutra, São Paulo, JK se ajeita no banco traseiro do Opala placa BH 9326, da antiga Guanabara, dirigido pelo fiel motorista Geraldo Ribeiro. Destino: Rio de Janeiro. Ia de avião, mas resolvera mudar. Tira os sapatos, velho hábito, acena alegremente para o funcionário da Editora Bloch que acaba de trazê-lo de almoço com o amigo Olavo Drummond. Macarronada caseira, prato predileto.

Quatro horas depois, na curva do quilômetro 165, em Resende-RJ, o carro atravessa desgovernado o canteiro central, invade a pista oposta e é colhido por enorme carreta Scania–Vabis da cidade de Orleães, Santa Catarina, placa ZR 0938, conduzida por Ladislau Borges, de 47 anos, que vinha do Ceará com trinta toneladas de gesso. Esmagado e arrastado para fora da estrada, o Opala vira um amontoado de ferros retorcidos, vidros espatifados, assentos destruídos e ensangüentados. O Brasil perde dois filhos e ganha um mito.

Conforme a perícia, o Opala se desgovernou ao ser tocado na traseira esquerda pelo ônibus de passageiros de prefixo 3148 da Viação Cometa, de São Paulo, placa HX 2630, dirigido por Josias Nunes de Oliveira, de 33 anos, paulista de Rancharia.

Jeito de acidente comum, fatalidade. Exceto por alguns indícios e hipóteses ainda não comprovadas, questionamentos à perícia realizada e circunstâncias políticas da época. Afinal, tratava-se de um presidente idolatrado pelo povo, mas cassado, perseguido e injustiçado pela ditadura. Sombras, dúvidas. Por que optou pela viagem de carro? Estrada defeituosa? Falha humana ou mecânica? Toque do ônibus no Opala? O motorista Josias nega. Diz que o carro não fez a curva do quilômetro 165. Acusado, foi duas vezes julgado e absolvido.
Alguns suspeitam de certeiro tiro de longe na cabeça do motorista Geraldo Ribeiro, outros de explosão de bomba dentro do carro ou de sabotagem numa das rodas dianteiras durante parada em local próximo. Também de atentado da sinistra Operação Condor, organização secreta criada em 1974 pelas ditaduras do Cone Sul para afastar lideranças políticas adversárias.

Em 2000, a Câmara Federal criou comissão para verificar as causas e circunstâncias do acidente. Sete meses de trabalho, dezenas de depoimentos colhidos, discussões e debates técnicos, repericiamento, simulações de hipóteses, viagens investigativas e de pesquisa ao Chile, Paraguai e Estados Unidos. Conclusão: acidente de estrada, mas JK estaria na agenda da Operação Condor. Atuaram dois novos peritos, que ratificaram as conclusões oficiais de 1976, consideradas inaceitáveis pelos que crêem em morte planejada.

Crime premeditado ou acaso? Certeza oficial, incertezas de muitos. A guerreira Sarah Kubitschek e a filha Márcia morreram acreditando em homicídio doloso.

Anotação de JK em seu diário: “Vimos nascer 1976. Sentia-me bem. Uma sensação de inutilização e de abandono dominava-me no instante supremo da mudança. O céu carregado de estrelas atraiu os meus olhos. O que procurava eu nos mundos infinitos que piscavam para mim? O que trará 76? Até a morte pode trazer”.
Ronaldo Costa Couto, doutor em história pela Universidade de Paris-Sorbonne, é autor, entre outros, de Brasília Kubitschek de Oliveira (Ed. Record, Rio de Janeiro, 5ª edição nas livrarias), obra de referência da MINISSÉRIE JK, apresentada pela Rede Globo de Televisão de janeiro a março de 2006

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