sexta-feira, 25 de agosto de 2006

Artigo

LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO
A falta do condão
Você pode usar uma palavra toda a vida sem ter idéia do significado. Ou inferir o que ela significa sem nunca ter ido verificar. Quem já consultou o dicionário para saber o que, afinal, quer dizer o "condão" de "varinha de condão", por exemplo? Não é uma palavra comum. Nunca a vi usada a não ser para descrever a tal varinha mágica com que as fadas transformavam gatas borralheiras em princesas, e sapos em bons partidos.
No dicionário, descobri o que já sabia, que "condão" quer dizer poder sobrenatural, o "dom" (palavra com a qual compartilha a origem etimológica) de alterar a realidade pela simples vontade. Só ficou o mistério da sua exclusiva associação com o instrumento das fadas. (Sugestão: quando for ao dicionário, procure também o significado de "borralheira").
Não vi o filme "Click" e ouvi dizer que não presta. Mas o filme é sobre um controle remoto de condão, com o qual o protagonista consegue fazer a realidade seguir os seus comandos. Pressionando o botão certo ele apaga o chato, faz com que os seios da moça balancem em slow motion dentro da blusa, dá um fast forward em cenas dispensáveis e um rewind nas que merecem repetição - enfim, dirige a vida a seu redor ao seu gosto. Para preguiçosos como eu, o controle remoto foi a segunda maior invenção do homem depois da escada rolante.
Só quem viveu antes do controle remoto dá o devido valor ao dom de mudar de canal sem sair da poltrona. Mas o controle remoto, ao mesmo tempo que nos trouxe o bendito condão do comando a distância, nos trouxe um agudo senso das limitações e do pouco alcance da nossa vontade. Pois do que nos adiantam os sinais eletrônicos que não alteram nosso destino ou mudam o mundo de acordo com nossas idéias, sem falar no balançar dos seios das moças? É como ter uma varinha mágica só para pequenos milagres domésticos, como eliminar mancha de caqui.
A falta do condão ilimitado nos transforma em reféns da realidade. Nada pode ser apressado, nada pode ser magicamente conquistado ou evitado. Não faz muito, por exemplo, em meio às revelações da corrupção no seu governo, Lula parecia ter sido definitivamente apagado do futuro político da Nação. Alguém tinha pressionado o botão certo e eliminado o PT como opção eleitoral por pelo menos 30 anos. Não funcionou. A esquerda também não tem o condão com que sonha, para mudar tudo com um gesto só. Estamos todos condenados aos processos normais e ao aborrecido andar do tempo. E a nos aturarmos.

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