domingo, 8 de junho de 2008

Entrevista de Roberto Jefferson - Parte II

Cezar Santos - Seria essa a grande diferença entre Serra e Aécio?


Roberto Jefferson - Serra tem um estilo parecido ao do José Dirceu, não quero dizer na irregularidade. Mas o Serra gosta do jogo bruto, de demolir pessoas, de destruir reputação, plantar dossiês. São coisas que o Aécio não faz.

Euler de França Belém - Serra sai na frente?


Roberto Jefferson - Ele é fortíssimo. Tem recall, é um nome abalizado e sabe que é o momento dele. Se não for dessa vez não será mais, até pela idade. Ele está chegando aos 70 anos.

Euler de França Belém - E Ciro Gomes? Já ouvi dizer que ele só tem chance se ficar mudo. Por que Ciro é tão atrapalhado?

Roberto Jefferson - Ele é intempestivo, temperamental. De repente dá uma resposta bruta e a opinião pública desgosta. Ele pode ser compor com Dilma, talvez na vice. É um bom nome.

Cezar Santos - Há poucos dias ele reconheceu esse traço de sua personalidade, mas se diz mais maduro agora.

Roberto Jefferson - É, mas há poucos meses ele bateu boca no Senado com a atriz Letícia Sabatella, na questão da transposição do Rio São Francisco. Na eleição presidencial, ele se prejudicou. Estava na frente de Serra, encostando em Lula, e aí sai com aquela pérola de que o bom da mulher dele é que ela dormia com ele. O prejuízo foi perceptível nas ruas. Eu estava na coordenação da campanha dele e quando chegava num lugar onde havia mulheres, me diziam: ?Roberto, quer dizer que mulher é só para ficar debaixo da barriga dele? Que conversa é essa, tô fora!?

Euler de França Belém - Que nota o sr. dá ao governo Lula?

Roberto Jefferson - Dou 8 na economia. Moralmente dou 4, por que tem cinco ministros denunciados no STF, um recorde, vai para o Guinnes.

Cezar Santos - Costuma-se dizer que por muito menos um presidente se matou, o Getúlio Vargas.


Roberto Jefferson - E outro foi cassado, o Collor, que não teve nenhum ministro denunciado.

Euler de França Belém - Seu partido está na base lulista.

Roberto Jefferson - Não depende de mim. Vejo meus companheiros lá, sobrevivendo, arrumando suas emendinhas, atendendo seus prefeitos e vereadores, isso é que dá reeleição. Mas vai chegar o momento em que eles vão cansar. Minha esperança é que eles se cansem ou se frustrem e possamos reagregar o PTB no sentimento.

Euler de França Belém - Agora não tem mais mensalão nem mensalinho? Acabou isso?

Roberto Jefferson - Não tem mais, acabou. A imprensa está atenta. É curioso, a imprensa apostava no PT. Para os jornalistas acreditarem naquilo levou tempo. Quando viram, puxa, enganaram a mim. Hoje, até sociólogos, pensadores do PT estão com o pé atrás. A imprensa mudou, caiu na real. O Merval Pereira [articulista do jornal O Globo e da TV a cabo Globo News] era Lula, era PT doente.


Cezar Santos - O Legislativo está fazendo o papel que cabe a ele?

Roberto Jefferson - Não, está muito fraco. A Câmara não legisla mais, e perdeu o respeito nacional. São quase 450 deputados governistas, nunca vi isso. Nelson Rodrigues dizia que a unanimidade é burra e a Câmara comete essa burrice. O Senado também, que começou bem, mas um monte de gente trocou de lado.

Cezar Santos - A que se deve essa desqualificação do Congresso?

Roberto Jefferson - A não ter reagido. Fizeram a troca pelo poder. Todo mundo com carguinhos, com nomeações. As emendas foram supervalorizadas com R$ 8 milhões para os deputados. Então eles liberam as emendas, fazem a base com os prefeitos, estruturam a reeleição, nomeiam cargos. Ninguém quer se incompatibilizar, fazer discurso contra, todos querem ser governo.

Cezar Santos - Então Lula governa no fisiologismo?

Roberto Jefferson - No fisiologismo, no toma lá dá cá. Não tem projeto nacional. O que leva o PMDB a apoiá-lo? Não se ouviu falar em projeto de educação, de saúde. Só se fala em ministério tal, estatal qual, posição na Eletrobrás, cargos, brigas por diretorias, quem sai quem fica, se é do PT, se é do PMDB.

Euler de França Belém - Então o mensalão continua, só que de outra forma?

Roberto Jefferson - Mensalão é diferente, sempre existiu em Câmara de Vereadores de interior. O prefeito reúne e acerta tantos quóruns por mês. Isso é velho na política, sempre houve. Mas no Parlamento foi a primeira vez que vi. Estrutura de poder todo mundo sempre teve para financiar partido. O partido nomeia o diretor de uma grande estatal e ele passa então a apresentar o partido ao doador de recursos, que são os grandes empresários, os grandes empreiteiros que gravitam em torno daquela diretoria. Mas esse esquema de fazer um caixa único com recursos, como o PT fez, nunca tinha acontecido. Era dinheiro de bancos, de empreiteiros, dos grandes grupos, dinheiro grosso que vinha em malas, em jatinhos.

Cezar Santos - Esse dinheiro apareceu todo?

Roberto Jefferson - Não, apareceu só um pedacinho mais visível, do Banco Rural, daquele pessoal que foi sacar.

Euler de França Belém - O sr. tem falado sobre CPIs. Isso não virou circo no Congresso?

Roberto Jefferson - É a única coisa que o congressista faz hoje. Mesmo assim é uma usurpação de poder do judiciário e da polícia. O parlamentar exerce o papel não de legislador, mas de polícia e de juiz.

Cezar Santos - Lula então anulou o Congresso?

Roberto Jefferson - Lula esterilizou o Congresso. E ele não governa mais com o Congresso. Lula faz a democracia direta, sem as instituições como verbalizadoras do sentimento popular.

Euler de França Belém - Por que Lula se tornou tão queridinho das elites brasileiras? E até a mídia já não é tão agressiva.

Roberto Jefferson - Ele é a mãe dos ricos e pai dos pobres (risos). A política econômica é para o capital. E a mídia sofre pressão dos grandes anunciantes. Abra os jornais e estão lá os grandes bancos, as montadoras de veículos.

Euler de França Belém - Já se ouve falar que a Veja vai mudar a linha editorial.

Roberto Jefferson - Para ser a favor do governo?

Euler de França Belém - Não a favor escancaradamente, mas ser menos ácida.

Roberto Jefferson - Então vão demitir aquele menino, o Diogo Mainardi. Vai ser uma vergonha (risos).

Euler de França Belém - No seu embate contra José Dirceu percebia-se que ele estava a ponto de estourar, enquanto o sr. manteve o ritmo da fala, sem se alterar.

Roberto Jefferson - Fiz uma opção que facilitou minha luta. Ele brigou pelo mandato, eu briguei pela minha honra. Eu disse "está sublimado o mandato e vou para a briga".

Cezar Santos - Aquela frase "sai daí, Dirceu, sai rapidinho" surgiu na hora, ou o sr. já tinha pensado antes?

Roberto Jefferson - Sai na hora, foi um caco. Fiz um enfrentamento com a comissão. Não fiz o joguinho do político, do falso humilde, do derrotado, excelência, máxima vênia, me perdoe, eu penso, eu acho, me colocando em segundo plano, numa posição de subalternidade, não. Eu fui pro pau! Disse a eles não vim aqui para defender mandato, vou defender minha honra pessoal. Dessa forma pude brigar por cima, não estava brigando pelo mandato. E o Zé brigou pelo mandato.

Cezar Santos - Em nenhum momento o sr. acreditou que poderia salvar seu mandato?

Roberto Jefferson - Em hipótese alguma. Alguns companheiros falaram vamos reverter. Eu disse não façam. Não pedi a ninguém, não visitei ninguém. Também não poupei ninguém. Quem eu precisava enfrentar eu enfrentei.

Cezar Santos - Foram 313 votos contra o sr. A que se deve esse número alto?

Roberto Jefferson - A articulação do PSDB e do PT, com adesão de metade do PFL. O líder do PSDB, Alberto Goldman (SP), trabalhou minha cassação. Tanto que a Zulaiê Cobra (PSDB-SP) esteve comigo no plenário, antes de começar a sessão de minha cassação, e me disse: Roberto, sou contra o que o Goldman está fazendo, ele está pedindo a todos para votarem sua cassação, e quero dizer que sou contra isso e vou votar a sua absolvição.

Cezar Santos - Mas qual seria o propósito?

Roberto Jefferson - O Goldman disse que eu absolvido seria um complicador na sucessão. Eu iria virar um herói e complicaria.

Euler de França Belém - Mas o sr. acabou saindo mesmo como herói. As pessoas não falam mal de sua atitude.

Roberto Jefferson - Não sou herói, mas também não sou bandido. Tenho defeitos que muitos têm e virtudes que alguns têm. As pessoas viram minha luta.

Euler de França Belém - O sr. disse sai Dirceu, você vai manchar a honra do presidente Lula. Mas depois parece que sr. repensou isso. Seria mesmo impressionante se Lula não soubesse o que estava acontecendo.

Roberto Jefferson - Na questão do mensalão Lula não sabia.

Euler de França Belém - De onde vem essa certeza?

Roberto Jefferson - A reação dele quando contei. Percebi que ele se abalou com a informação. Não foi como uma pessoa que já sabe e dá uma contemporizada. Ele ficou abalado profundamente. Aí vi que o Zé Dirceu jogou nas costas dele. Tanto que depois, no diálogo sobre Furnas, em que o Dirceu tinha me pedido que eu compusesse com o PT naquela diretoria do Dimas Toledo, o presidente me perguntou mas que acordo? Eu falei presidente, o sr. não vai me pedir para eu contar o acordo que fiz com o Zé Dirceu e o PT. Ele disse vou sim. Aí vi que o presidente estava levando outra bola nas costas. Quanta coisa o Zé Dirceu fazia em nome do presidente e Lula não tinha informação.

Euler de França Belém - Lula se sentiu traído?

Roberto Jefferson - Uma vez ele verbalizou isso. Ele disse fui traído, algumas pessoas me traíram. Lula falou isso até com a boca seca, dura de tensão.

Euler de França Belém - O projeto de José Dirceu era realmente ser o sucessor de Lula?

Roberto Jefferson - Sim, ele sonhou ser o sucessor.

Euler de França Belém - Como ele conversava com os partidos aliados? Como era o discurso dele?

Roberto Jefferson - Muito pragmatismo, não nos chamava para conversar nenhum projeto político ou um projeto de poder. Era só pragmatismo, toma lá dá cá, me ajuda nisso que eu te dou isso. Tudo na vida tem o feijão e o sonho. Você não pode ser só o feijão, senão fica pesado, flatulento, fedido. Tem de ter o sonho também. Senão fica muito por interesse, casamento por interesse, só dinheiro, imóvel, carro novo, jóia, uma coisa sem sentimento.

Euler de França Belém - Ele cumpria o que prometia?

Roberto Jefferson - Comigo não cumpriu. Não cumpriu o que o PT acertou comigo na eleição, que foi 20 milhões de reais de financiamento do PTB na eleição municipal em 2004. Em troca nós os apoiaríamos nas principais capitais.

Cezar Santos - Os 20 milhões caíram para 4 milhões de reais.

Roberto Jefferson - O que foi a pior coisa que aconteceu. Eu tinha chamado os candidatos a vereador e a prefeito e disse essa é a primeira de cinco parcelas, vocês podem assumir a campanha. Todo mundo se arrebentou, confiando no apoio que teria à frente. Outdoor, carro de som, todos tiveram material recolhido, passaram vergonha. Em Nova Iguaçu, os outdoors foram fechados. Em Recife, o comitê do Joaquim Francisco foi depredado pelos cabos eleitorais. Foi a pior coisa do mundo.

Euler de França Belém - Porque o Zé Dirceu fez isso, se ele tinha projetos e precisaria de vocês?

Roberto Jefferson - Alguma coisa ele priorizou e nos deixou escanteados. Eu joguei franco ele não.

Euler de França Belém - O que o sr. fez desses 4 milhões de reais? Ficaram os chamados restos de campanha?

Roberto Jefferson - Distribuí. E faltou dinheiro, no final estávamos em desespero para acertar algumas contas de companheiros, porque tínhamos avalizado gastos. Eu era o avalista moral do partido.

Euler de França Belém - O inventor do mensalão realmente é o Zé Dirceu?

Roberto Jefferson - É o PT. Agora estou vendo que o Zeca do PT faz a mesma coisa, o Ministério Público levantou isso no Mato Grosso do Sul.

Euler de França Belém - O sr. acredita que um dia o Dirceu o perdoará?

Roberto Jefferson - Eu não quero perdão dele e não o perdôo. Ele tentou jogar com a minha honra, quis jogar no meu colo algo que não fiz. Aquele negócio dos Correios foi grave.

Euler de França Belém - Mas não tinha gente do PTB envolvida?

Roberto Jefferson - Não tinha, aquele rapaz não era do nosso partido, ele trabalhava numa diretoria em que o diretor era do PTB.


Euler de França Belém - Aquela matéria da Veja foi plantada pelo José Dirceu?

Roberto Jefferson - A exploração dela foi. Teria dimensão mínima se levada com seriedade, tanto que a Veja pautou um pedacinho da fita em que ele acusava a mim e ao PTB. Noventa por cento da fita não tinha nada, fiz 600 cópias e distribuí à imprensa e aos congressistas. O cara era um louco, vendia prestígio na minha conta. Dizia que tinha oito estatais, "coordeno oito estatais". Quais estatais? Não tem nenhuma ligação para o PTB. E como ela coordenava oito estatais? Como coordena estatais? O cara estava tomando dinheiro do pequeno empresário para ele, usando o meu nome. O irmão do Lula não tomava dinheiro em nome do Lula? Não era o Lula. Essas coisas acontecem. Por que eu vi que era jogo do governo? Foi a coisa de Furnas com o Zé Dirceu. A matéria da Veja saiu dia 14 de maio, dia 16 seria a posse do Spirandel no lugar do Dimas na diretoria de Furnas. O Zé Dirceu disse que eu quis ficar com o boi, o chifre e tudo. Foi uma briga por cargos, por poder. Ali eu alavancaria o partido.

Euler de França Belém - O que aconteceu realmente na queda do Fernando Collor? O sr. se colocava na "tropa de choque" dele.

Roberto Jefferson - Ele venceu as eleições sem estrutura nacional, por um partidinho, o PRN, com três ou quatro deputados federais. Não tinha bancada de deputados, de senadores, de vereadores nos municípios, não tinha na mão o PMDB, um partido nacional com raízes municipalistas e estaduais. Não tinha o movimento social com ele. A Igreja não estava com ele, nem a OAB nem a ABI. Os sindicatos não estavam com ele.

Cezar Santos - Mas o fato é que ele se elegeu e passou a ter o poder. Por que ele não soube usar o poder para reverter o quadro?

Roberto Jefferson - Ele era muito jovem. O grave erro do Collor foi aquele congelamento de ativos financeiros, o seqüestro da poupança, que pegou a classe média, que o apoiava. Se Collor subisse o seqüestro para 150 mil reais em vez de 20 mil reais, teria tirado 90% da classe média do problema. Ficariam só os grandes poupadores e alguns especuladores. Com 20 mil reais ele pegou a classe média inteira. Minha sogra na época perdeu dinheiro na compra de um apartamento. Em casa eu tinha dura oposição dela. Como pegou a classe média ficou fácil bater em Collor. Juntaram PT, com essa capacidade imensa de destruir, e PSDB, com a inteligência. O PT não entrava muito na classe média, mas o PSDB entrava, com discursos de Mario Covas, o Fernando Henrique no final. Vieram para cima e foram demolindo totalmente a base de Collor.

Euler de França Belém - Ele tinha consciência desse isolamento?

Roberto Jefferson - Não, era muito jovem. O Collor me dá a real dimensão de que um homem de 40 anos não pode presidir o País. É muita testosterona, muita impetuosidade. O homem para presidir o País tem de estar com 60 anos, mais sereno, mais equilibrado. Não pode levar tudo na ponta da faca.

Cezar Santos - Houve um episódio com a OAB que exemplifica esse excesso de testosterona.


Roberto Jefferson - Chamar o presidente da entidade de burro, de analfabeto, por causa de um erro de português, um erro de concordância na nota em que a OAB fez crítica ao congelamento dos ativos financeiros. Depois, a OAB foi pedir o impeachment dele. Penso que o principal adversário de Collor foi a juventude dele.

Euler de França Belém - PC Farias mandava mesmo no governo Collor?

Roberto Jefferson - Mandava nada, isso é folclore. Era um caipira de Alagoas que quis dar um golpe, não sabia lidar com as elites paulista e carioca. O movimento do Delúbio Soares e do Marcos Valério, que estão citados no processo, é cinco vezes maior do que o que PC Farias fez com aquele escândalo da Fiat Elba. O PC Farias é menino de procissão perto de Delúbio e de Valério.

Cezar Santos - O sr. vê condições de Collor voltar como candidato a presidente?

Roberto Jefferson - Vejo sim. Collor precisa se reconciliar com o povo brasileiro. Mas penso que ele vai disputar primeiro o governo de Alagoas.

Euler de França Belém - Gostaria que o sr. esclarecesse um fato histórico: consta que Ivete Vargas conseguiu o registro do Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, porque Golbery do Couto e Silva articulou para que Leonel Brizola não ficasse com a sigla. Isso é verdade?

Roberto Jefferson - Isso é mito. Brizola perdeu o PTB por dois dias. Demos entrada de pedido de registro antes dele. Foi uma luta organizar o partido nas bases, fazer o mínimo de diretórios regionais e municipais exigido pela lei. Ivete levou ao Tribunal Superior Eleitoral e a decisão foi essa: todos tinham cumprido os prazos, as exigências legais quanto ao número de diretórios, só que Ivete chegou dois dias na frente de Brizola.

Euler de França Belém - O que aconteceu com Brizola? As pessoas esperavam que após a abertura, ele viria pelo País e seria presidente, aproveitando aquele vento de mudança.

Roberto Jefferson - Ele perdeu para Lula no primeiro turno, por 200 mil, 150 mil votos.

Cezar Santos - Porque Lula se tornou mais palatável?

Roberto Jefferson - Pela estrutura de campanha muito mais poderosa, um marketing poderoso, de primeiro mundo. Me lembro de um comício do PT na Candelária, no Rio, em que havia câmera numa grua, numa altura de uns 30 metros, aquilo abrindo do chão, em consonância com a música do "Lula, lá" (cantarola), abrindo como se fosse a voz do povo conquistando todo o espaço. Um negócio impressionante. Era uma estrutura que o Brizola não teve para fazer campanha. O PT teve muito recurso, muito poder.

Euler de França Belém - Fernando Henrique Cardoso diz que Lula tenta se apresentar como continuador do Getúlio Vargas. O sr. vê paralelo entre os dois?

Roberto Jefferson - A ascensão de Getúlio ao poder foi em 1930, ou 40 anos após a libertação dos escravos. Se hoje, em 2008, abrimos os jornais e vemos notícias de trabalhadores em condições análogas ao de trabalho escravo, imagine na década de 20 do século passado. Veja a audácia de Vargas em implantar, numa época de visão nitidamente escravagista e colonial, o respeito aos trabalhadores. Ele teve muito mais densidade social que o Lula. Lula encontrou tudo pronto. Encontrou pronta, por exemplo, a previdência social. Imagine criar o mecanismo de aposentadoria na proteção do descanso após anos de jornada que o trabalhador merece, a proteção ao pensionista, o salário mínimo.


Cezar Santos - Vargas teve avanços fora da área trabalhista?

Roberto Jefferson - Sim, e em coisas que eu nem imaginava. Recentemente, num seminário sobre questões de ecologia, o palestrante falava que a legislação de meio ambiente nasceu na década de 40, com Getúlio. Ele editou a primeira lei que regulamenta proteção de florestas e de mananciais. Ele estabeleceu a adição de 5% de álcool à gasolina para reduzir os efeitos nocivos da fumaça dos automóveis. Confesso que nem de brincadeira eu imaginava que tivesse vindo do Getúlio. Sempre pensei nisso de salário mínimo, CLT, previdência. Jamais imaginei que ele tivesse envolvido em meio ambiente. O "velhinho" enxergava muito à frente.

Euler de França Belém - O brasilianista Robert Levine, historiador respeitado, citado por Elio Gaspari e por Boris Fausto, da USP, diz que o presidente Franklin Roosevelt se inspirou no Getúlio para fazer o New Deal [novo acordo, programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937 com o objetivo de recuperar a economia norte-americana].

Roberto Jefferson - Veja a habilidade que Getúlio Vargas tinha.

Euler de França Belém - Mas Lula é muito habilidoso politicamente.

Roberto Jefferson - Lula é um animal político, muito talentoso. Na época de Getúlio não havia ONG estipendiada. Lula, hoje, conta com ONGs que funcionam a óbolo. O governo banca o movimento social na grana. As entidades são não-governamentais no título, mas funcionam com dinheiro governamental. É assim que Lula contém esses movimentos, não permitindo manifestações contrárias. Então ele é um talento político, e fala a linguagem do povo.

Euler de França Belém - O sr. é um advogado respeitado e consta que admira Shakespeare, Nelson Hungria e Evandro Lins e Silva. Qual a correlação?

Roberto Jefferson - Shakespeare fazia o teatro com a tragédia humana, conhecia profundamente a alma humana. Nelson Hungria era um tratadista do Direito Penal, profundo, humano, mas pela lógica cartesiana do direito social. Era um promotor de justiça. Fez o comentário do Código Penal com visão matemática da dimensão da pena, da equidade da pena. Não romanceia, não vê os problemas emocionais e mentais como justificativa ou minorante para o crime.

Euler de França Belém - O sr. tem cerca de 200 júris. Inspirou-se em Evandro Lins e Silva?

Roberto Jefferson - Evandro era um ícone no Rio de Janeiro. Nós do Rio nos mirávamos nele, e, num passado um pouco antes, em Romero Neto, que encarnou a figura do advogado romântico, que saia do júri e ia para o restaurante em frente ao tribunal, com o promotor e o juiz para tomar um uísque, bater papo. Era aquela coisa do afrouxamento do sentimento penal punitivo sempre a favor da condição humana do réu. E no teatro, na técnica, o Evandro foi imbatível.

Euler de França Belém - Desses mais de 200 júris, o sr. ganhou quantos?

Roberto Jefferson - Ganhei muitos e perdi muitos. Ganhei muitos que precisava ganhar e perdi muitos que não tinha condições de vencer.


Euler de França Belém - Esse caso Nardoni é muito difícil para a defesa? Por quê?

Roberto Jefferson - É muito complicado para a defesa. Suscita sentimentos enraizados na alma humana. A madrasta má agredindo a princesinha de sapatinhos de cristal. E o pai, que tem a marca do protetor, não age como todos esperam, pelo contrário, auxilia na morte da filha. São dois sentimentos, um é a afirmação de que a madrasta é realmente má. Outro é a explosão do que todos acreditamos, de que o pai é sempre protetor, capaz de dar a vida pelo filho, se superar para ajudar o filho. Ele ficou ao lado da madrasta, fez um papel terrível. Isso mexeu com o inconsciente coletivo. Mas penso também que acabou ficando um pouco meio novela, o enfoque que a polícia deu, a exploração da mídia. Isso inviabilizou qualquer procedimento de defesa que o casal possa ter.

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