sábado, 21 de janeiro de 2006

Perguntas que retornarão neste ano

Dom de iludir

Miriam Leitão*

Marcos Valério pediu desculpas cinco vezes por mentir e omitir e continuou mentindo, omitindo e servindo a verdade a conta-gotas. É mentira que ele não tenha recebido dinheiro público: recebeu-o através de contratos de publicidade com empresas estatais que foram generosamente ampliados, como o do Banco Popular do Brasil, para o qual não precisou participar de concorrência. Ele não foi à CPI colaborar, como disse. Foi para continuar a construção da versão mais útil. Tinha três propósitos: envolver mais o PSDB, repetir Renilda afirmando que José Dirceu sabia e jogar a batata quente para cima do colega Duda Mendonça. O PSDB ainda deve explicações no caso da campanha de Eduardo Azeredo, até porque o senador é presidente do partido. São operações diferentes, mas o deputado Alberto Goldman não pode simplesmente repetir a idéia de que crime eleitoral é aceitável, pois estará ecoando o “sistematicamente” de Lula. É claro que o PT quer, com a acusação aos tucanos, desviar a atenção e encobrir o estarrecedor esquema de corrupção montado dentro do coração do governo, mas nem por isso pode-se deixar de lado erros cometidos pelo PSDB. Notável é a memória remota de Marcos Valério: lembra tudo o que aconteceu em 98, esquece quase tudo que passou em 2003 e 2004. Ele diz que vai cobrar na Justiça R$ 100 milhões do PT. Está mentindo de novo, porque sabe muito bem que, sem qualquer documento minimamente sólido, não pode dizer que o partido deve pagar os empréstimos feitos para irrigar o esquema de corrupção. Está claro que eles foram feitos para serem pagos por fáceis contratos de publicidade e não para serem realmente honrados pelo PT. Marcos Valério sabe, por Delúbio, que o ex-ministro José Dirceu avalizou de boca os empréstimos. Ninguém corre um risco financeiro desses no país dos juros recordes, nem o mais inexperiente dos homens de negócios. Usando seus números como verdadeiros: se o PT entregasse a ele toda a arrecadação de um ano inteiro, não conseguiria pagar os empréstimos. Portanto, eles não foram feitos para serem pagos; nem foram usados apenas para pagar dívidas de campanha, basta ver as datas, a seqüência e a lista generalizada da distribuição dos recursos. Um dos detalhes impressionantes desta história é a qualidade da avaliação de risco do Banco Rural. Tente pegar um empréstimo em qualquer banco no Brasil, pagar apenas uma parte, obrigando a instituição a incorrer em prejuízo, tendo que cancelar parte da dívida por inadimplência. Isso feito, volte ao banco e peça novos empréstimos. Marcos Valério fez isso. Não pagou o empréstimo de 98 e pegou novos créditos fartos em 2003 e 2004. Em termos de prática prudencial, o Rural não é modelo para nenhum banco, até porque só a DNA teve quase R$ 200 milhões de gastos a mais do que receitas. É uma pena que a fiscalização do BC não tenha notado essa imprudência do notório Banco Rural. Ele não é o único banco que deve explicações ao país e às autoridades da fiscalização. O Banco do Brasil regrediu no governo Lula à época em que se comportava como banco do governo e não uma instituição de capital aberto que deve explicações aos seus acionistas. Toda semana, há alguma notícia do BB que não se sustenta. A desta é a nota dizendo que o presidente Lula pagou uma dívida pessoal de R$ 29 mil ao fundo partidário, que o Planalto diz desconhecer e que Paulo Okamotto, do Sebrae, garante ter pago na qualidade de procurador pessoal do presidente. Alguém pode dizer que R$ 29 mil é troco. De fato é, perto das quantias das quais se fala diariamente no festival de CPIs que assola o Brasil. Mas quero recordar um fato da campanha de 2002. Na época, o então candidato Lula fez pouco da denúncia de uma empresa sobre repasses que era obrigada a fazer ao esquema de corrupção em Santo André dizendo o seguinte: “Quarenta mil é troco.” Numa entrevista com o candidato Lula, perguntei se essa frase significava que, para ele, corrupção se mede é pelo tamanho da propina. A pergunta era dura, mas Lula respondeu com humildade: — Eu errei ao dizer isso. Para mim, um real e um milhão é a mesma coisa quando se trata de corrupção. Com base nisso, creio que o presidente deve explicar melhor este episódio para que não fique a impressão de que toma dinheiro do partido, esquece-se e a conta é paga por um amigo que foi muito bem aquinhoado com um cargo público. Voltando ao Banco do Brasil. Ele comprou R$ 70 mil em mesas de um show que era para financiar a campanha do PT e ainda pagou comissão à DNA. O BB já tinha a agência de Marcos Valério como fornecedora, mas aumentou muito a fatia abocanhada por ela e os contratos engordaram com aditamentos. De 2003 para cá, R$ 240 milhões. Se a DNA era assim tão boa, por que o contrato com ela foi suspenso assim que o escândalo começou? Na segunda metade do ano passado, o Banco Popular do Brasil pagou a Marcos Valério R$ 24 milhões, mais do que o volume total de suas operações de crédito; tudo, claro, sem licitação. O BB patrocinou prova de hipismo no centro hípico do onipresente Marcos Valério. Contratou serviços da gráfica do Fundo de Greve do Sindicato de São Bernardo, que nunca tinha feito esse tipo de trabalho. Emprestou R$ 17 milhões ao PT por leasing de computadores. Enfim, uma lambança inaceitável para um banco que passou por um saneamento que custou R$ 8 bilhões aos contribuintes.
*Colunista, O Globo, 11-8-2005

Um comentário:

Anônimo disse...

E onde estão esses computadores???