terça-feira, 18 de novembro de 2008

Lula comanda despaulistização

Lula comanda despaulistização
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O general Golbery do Couto e Silva, o Maquiavel do regime militar de 64, advertia para o risco de São Paulo vir a apossar-se do poder político federal. Detendo já o poder econômico, teria nessa hipótese o poder em sua plenitude – e não mais o transferiria, acentuando o desequilíbrio federativo do país.
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É o fenômeno que hoje se está chamando de paulistização da política brasileira – a sucessão de presidentes da República oriundos de São Paulo, a vocalizarem interesses e prioridades estabelecidos a partir daquela unidade federativa, que, de tão poderosa e maiúscula, nem sempre percebe que há outras a seu redor.
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A analogia do Brasil com uma locomotiva, em que São Paulo figura como o motor, a puxar os demais vagões, era do gosto dos políticos paulistas da República Velha, que sustentavam, em dobradinha com Minas Gerais, a política do café-com-leite.
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O resto do país, sentindo-se inferiorizado na definição das políticas públicas naquele período, invertia, ressentido, a metáfora da locomotiva. O humorista gaúcho Barão de Itararé sustentava que São Paulo era uma locomotiva empurrada por 22 (número de estados brasileiros na época) vagões, uma espécie de gigolô do suor nacional.
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Uma vez desfeita a parceria com Minas, em 1930 – e por iniciativa do governo paulista de Washington Luiz, que indicou um conterrâneo e não um mineiro para sucedê-lo -, São Paulo viu-se afastado do poder por mais de três décadas. A Revolução de 30 colocou os gaúchos no poder, com Getúlio Vargas.
São Paulo só voltaria com Jânio Quadros, em 1960 - e por apenas oito meses. Com a renúncia de Jânio, São Paulo esperou mais 33 anos para retornar ao poder político (o econômico jamais deixou de exercer), com Fernando Henrique Cardoso. Já são até aqui 12 anos, com a perspectiva de mais quatro anos, com Lula.
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Embora nascido em Pernambuco, Lula é tão nordestino quanto Fernando Henrique é carioca, Jânio Quadros era matogrossense ou Washington Luiz (natural de Macaé, estado do Rio) era fluminense. Os quatro fizeram carreira profissional e política em terras paulistas.
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Lula emergiu para a vida pública como expressão típica do sindicalismo de vanguarda do ABC paulista, vivendo circunstância bem distinta da dos trabalhadores nordestinos. O PT surgiu como expressão política daquele contexto, numa aliança entre sindicalistas de vanguarda e intelectuais da academia paulista.
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Paradoxalmente, porém – e esta é a singularidade em pauta -, o desafio à paulistização da política brasileira está vindo por meio de alguém egresso de lá. O próprio Lula. Coube-lhe investir nesse discurso na campanha eleitoral. Foi o meio que enxergou de liquidar a candidatura de Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, nos demais estados da federação, sobretudo no Norte e Nordeste, regiões mais ressentidas com a hegemonia política paulista.
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O sucesso foi total. Lula estabeleceu um massacre eleitoral naquelas duas regiões. Chegou a dizer com todas as letras que paulista não gosta de nordestino, não obstante ser ele próprio a negação dessa premissa, já que é um nordestino que triunfou em São Paulo, cuja capital, em número de habitantes, a torna de longe a maior cidade nordestina do país.
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Houve um tanto de intuição e irresponsabilidade naquela estratégia, mas nem por isso foi posta de lado. Está presente na montagem ministerial e pode ser a chave do processo sucessório de 2010. José Serra, governador eleito de São Paulo, é, até aqui, o principal postulante à sucessão de Lula.
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Terá que enfrentar não apenas a oposição do atual presidente como a tese de que Lula se tornou portador. E é aí que PT e PSDB já apresentam similitudes em seus desafios internos. Ambos têm origem e base principal em São Paulo. Por isso mesmo, vivem internamente a síndrome da paulistização, que resulta em queda de braço com as bases partidárias nos demais estados.
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No caso do PSDB, há a postulação mineira de Aécio Neves, que governa o segundo estado mais importante da federação. No caso do PT, há o desgaste da seção paulista do partido, envolvida em sucessivos escândalos, do mensalão ao dossiê, que quase comprometem a reeleição de Lula.
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Não fosse a espantosa capacidade política de Lula de desvincular-se do malfeito de seus aliados, como se agissem à sua revelia, e não teria sido reeleito. A seção paulista do PT sai enfraquecida das eleições, contestada pelos aliados das demais bancadas e pelos próprios correligionários dos demais estados. Causou problemas demais – e Lula endossa essa percepção.
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Já avisou, por isso mesmo, que o PT não reeditará o domínio anterior sobre a Esplanada dos Ministérios. Já tem o presidente da República – e é o suficiente. Ou seja, ele, Lula, montará (está montando) um ministério à sua feição, e não à do partido. Um ministério que lhe permita levar adiante a tese da despaulistização da política brasileira e exibir, neste segundo mandato, não o Lula do ABC, mas o Lula de Garanhuns e adjacências, uma liderança mais populista, com cacife eleitoral mais amplo.
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Lula percebeu que, embora São Paulo seja o maior colégio eleitoral do Brasil, não elege sozinho um presidente da República. Basta indispô-lo com os demais e garantir nele pequena base de votos para obter o triunfo federal. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek foram mal votados em São Paulo e nem por isso deixaram de se eleger. Lula está indo por aí.
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Ruy Fabiano é jornalista

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