domingo, 4 de dezembro de 2005

OS COMPANHEIROS DO DIRCEU


Rio, 04 de dezembro de 2005
Versão impressa
O desalento dos companheirosRicardo GalhardoSÃO PAULO
Base Aérea do Galeão, 16h45m do dia 6 de setembro de 1969. José Dirceu, com um sorriso irônico, levanta as mãos e mostra as algemas. O gesto ficou imortalizado em uma foto na qual Dirceu e outros 12 presos políticos se preparavam para embarcar num Hércules da FAB rumo ao México, em troca do então embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick. Passados 37 anos, O GLOBO consultou os personagens da foto histórica sobre a cassação do mandato de deputado de Dirceu. Cinco morreram. Dois estão no exterior e não foram localizados. Dos cinco restantes, só um considerou a cassação justa. Mas quase todos afirmam que, no governo, Dirceu enveredou por um caminho diferente do que pregava no movimento estudantil.
— Do ponto de vista pessoal é triste, uma tragédia para todos nós da geração de 68, aquela que o Zé disse que subiria a rampa junto com ele no dia da posse. Mas do ponto de vista político não apenas foi justa como muito saudável para a democracia. Não vejo desonestidade pessoal dele, mas é uma concepção política que revela um matiz stalinista e não tem nada a ver com a democracia que queríamos para o Brasil — diz José Ibrahim.
Vladimir Palmeira, pré-candidato ao governo do Rio pelo PT e que alimenta há mais de três décadas amizade com Dirceu proporcional ao antagonismo político, foi sintético:
— A cassação foi injusta. Não há provas contra Dirceu. Imagino que a maioria do partido acha que a cassação foi injusta.
Segundo ele, Dirceu agora deve enfrentar um processo de disputa política no PT.
— Vamos ter disputas políticas no partido, porque não defendemos as mesmas coisas. Mas se ele não vier a ocupar cargos no PT, não terá a ver com a cassação, só mesmo com a disputa política — diz Palmeira.
“Foi uma grande injustiça”
O argumento da falta de provas foi usado pelo suplente de deputado federal Ricardo Zarattini (PT-SP).
— Foi uma cassação política. Zé Dirceu cometeu muitos erros políticos, mas por eles não poderia ser cassado. A Câmara poderia ter adotado posição intermediária, como suspensão do mandato — diz Zarattini.
Aos 78 anos, 54 dos quais dedicados ao PCB, Agonalto Pacheco considera que Dirceu hoje paga pela sua trajetória histórica.
— Foi uma grande injustiça. A cassação é resultado do trabalho histórico do Zé Dirceu. As forças reacionárias geralmente se aproveitam de momentos de fragilidade como este para agir — disse.
Embora tenha críticas ao PT, o jornalista Flavio Tavares também considera injusta a queda de Dirceu:
— Foi injusta. O PT igualou-se às piores épocas da política brasileira, no estilo da corrupção do Adhemar de Barros e do Maluf, mas no cerne do problema não se toca: o suborno comanda a política e os partidos viram gazua (ferramenta usada para abrir fechaduras) dos cofres públicos. Com a cassação, a Câmara atirou um boi às piranhas, para o resto da boiada (que é o próprio Parlamento) atravessar o rio. Ele foi cassado por presunção, e isso é perigoso, pois não é típico do Legislativo, mas das ditaduras.
Perguntado se Dirceu manteve no governo a chama da geração de 68, Tavares respondeu:
— Em parte sim. Mas o jovem que sonhava com o socialismo libertário foi substituído pelo articulador político no estilo vicioso, que buscava manter no poder o partido ou grupo que dirigia. Mas ele teve atitudes positivas. Era o único que, no Planalto, dizia “não” à permissividade reinante. Era o único a dizer “não” aos pedidos de favores esdrúxulos de parlamentares e chefetes políticos. O Zé impediu que o Roberto Jefferson transformasse o IRB e os Correios em covil de suborno para o PTB. Em suma: ele foi cassado por suas virtudes, não pelos defeitos.
Dos personagens da foto, Tavares é o que guarda lembranças mais nítidas daquela tarde.
— A liberdade é a primeira lembrança. Eu era o preso mais recente do grupo, e, pela tortura, tinha dificuldades para caminhar. Por isso, para a foto, fiquei de pé no canto direito do grupo, mas mandaram que eu me agachasse. Nessa fração de segundos, disse alto: “Vamos mostrar as algemas”, e o Zé Dirceu foi o primeiro a levantar os punhos. Quase todos queriam ocultar as algemas. Digo sempre brincando que foi a única vez que tive influência junto ao Zé ou que ele me obedeceu — recorda o jornalista.
Em 2004 Tavares e Dirceu se reencontraram em Brasília.
— Conversamos muitas horas, madrugada adentro, após um jantar íntimo na casa de uma amiga. Indaguei-lhe muito. Já havia ocorrido o caso Waldomiro, e ele me pareceu seguro. Dias após, no Senado, no lançamento do meu livro sobre Getúlio, Dirceu telefonou ao Sarney pedindo para iniciar a solenidade com meia hora de atraso, pois queria assistir mas estava chegando de São Paulo. Após os autógrafos, alguns dos mais de cem senadores e deputados presentes vieram me pedir que servisse de intermediário com Dirceu, que eles acreditavam meu super íntimo. Disse-lhes que eu não fazia tráfico de influência!
Dois outros militantes libertados em troca do embaixador americano, Gregório Bezerra e Mário Roberto Zanconato, não aparecem na foto, pois embarcaram depois.
COLABOROU Ciça Guedes

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