sábado, 10 de dezembro de 2005

Crônica do Juremir

Juremir Machado da Silva
DE TRÁS PARA FRENTE
Está aberta oficialmente a temporada de retrospectivas. O ano de 2005 foi excelente para o Brasil, salvo por ter sido ruim para a sua população. Mas quem se preocuparia com uma ninharia dessas? Como se ficou sabendo, temos apenas 74% de analfabetos funcionais e uns 40 ou 50 milhões de miseráveis. Velhos doentes passam noites nas filas do INSS. De resto, tudo andou bem. Pagamos rigorosamente juros aos especuladores internacionais. O PT tornou-se, enfim, um partido como todos os outros. Aqui se faz, aqui se recebe. No Banco Rural. A política converteu-se na arte de financiar pizzas grandes com dinheiro de caixa 2. Nossa economia vai cada vez melhor porque cuida bem do dinheiro dos banqueiros e dos especuladores. Nada mais justo. Quem tem dinheiro são eles. Juro.
O Corinthians foi legitimamente campeão brasileiro. Teve os seus pontos aprovados até pelos usos e costumes de Brasília: é com dinheiro mal explicado do exterior que se põe faixa no peito. O resto é questão de negociação interna. Partidos e partidas seguem as oscilações do mercado. Quem tem maior audiência, fica com uma fatia maior do 'mensalão'. Só a lei não vale muito, mas se compra, quando necessário. A prazo. Ao menos, segundo diz a mídia linguaruda, foi o que fizeram FHC e Lulla. Trocando em reais, 2005 não decepcionou: os ganhos foram preservados, as desigualdades alimentadas e as injustiças incentivadas.
José Dirceu foi cassado por necessidade de simetria, pois Roberto Jefferson * alguém ainda lembra dele? * fora cassado por ter falado a verdade pela primeira vez. Nada mais inadequado num homem que passou a vida mentindo sem nunca ter recebido punição. Num país sério, como o Brasil, ninguém fala a verdade impunemente. Jefferson devia ter seguido o exemplo de Delúbio Soares, mas tentou vender no grito o seu silêncio. Tamparam-lhe a boca depois que ficou sem voz. Parece mesmo que todo mundo tem o seu preço. Alguns custam uma Land-Rover. Outros, um ministério. Porém, eis a questão de maior valor, quanto custa o ego ferido de um homem a quem se vendeu os nossos podres?
O final do ano trouxe a resposta para a pergunta que atormentou a mídia, embora nunca tenha inquietado as CPIs: de onde veio o dinheiro do valerioduto? De Cuba? Do Banco do Brasil? Das estatais? Nada disso. Foi Papai Noel quem trouxe. Elementar. Basta olhar as datas. Os maiores saques aconteceram em dezembro de 2003. O restante pode ser considerado adiantamento do décimo terceiro parlamentar. Tudo muito simples. Como a libertação de Paulo Maluf. O Supremo Tribunal Federal não suportou a crueldade e chamou para a si a responsabilidade. Tirou da cadeia o bom velhinho, vítima do ressentimento da mídia pobretona.
Podemos dormir tranqüilos. Paulo Maluf já tem um substituto: Lulla. Quando mostravam as provas das suas contas no exterior, Maluf, muito inocente, declarava: 'É mentira'. Quando mostram para Lulla as provas dos saques no Banco Rural, ele, candidamente, explica que o 'mensalão' é folclore. É isso aí, 2005 nos ensinou que o contrário de um partido de esquerda é um partido de esquerda. No poder. E o contrário de uma campanha de promessas é uma promessa de campanha. Tudo aquilo que os militares mais desejavam esconder da época da ditadura, Lulla mandou carimbar como sigiloso. Explicação genuína e familiar: os documentos secretos podem atentar contra a segurança nacional.
No plano internacional, o Iraque viveu bem sem o poder de Saddam Hussein. O número de iraquianos mortos, depois da libertação, parece ter aumentado ligeiramente. Mas isso é um detalhe. Não é uma estatística duvidosa que vai atrapalhar o avanço da democracia e do bem. As virgens islâmicas, no além, continuam garantidas para os heróis da causa. Agora, financiadas pelo FMI. Já em Guantánamo, os prisioneiros vivem em gaiolas. Os Estados Unidos não dão permissão à ONU de fiscalizar o local. Deveriam, pois, pelos seus conceitos, lá sim tem armas de destruição em massa. Sem mentira. Só que verdade demais ofusca. O ano de 2005 renovou a máxima de Leopardi: o PT mudou tudo para que tudo continuasse igual ao tempo de FHC. Um sucesso.
O ponto negativo de 2005 foi a confirmação de um preconceito elitista: Lulla não sabia (e não sabe) de nada. Só que agora ele admite. Mas não por virtude.
Papai Noel não faz mais diferença entre virtuosos e não-virtuosos. Ainda mais se tratando de políticos. Coloca todos no mesmo saco. Um saco sem fundo nem cor. Afinal, o velhinho não pode fazer escolhas partidárias, pois sua gestão não tem fim. É capaz até de premiar Lulla com um segundo mandato em 2006 como recompensa por ter tratado bem o pessoal do alto. Caso não seja reeleito, Lulla pode tornar-se ele mesmo um Papai Noel. Poderá usar o Kia como financiador dos presentes. Salvo se o preferir como caixa da nova campanha presidencial.
E-mail: juremir@correiodopovo.com.br
Correio do Povo Porto Alegre - RS - Brasil

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