quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Israel é seu pior inimigo?

NICHOLAS D. KRISTOF
DO "NEW YORK TIMES"

Durante décadas, os líderes palestinos às vezes pareciam ser os piores inimigos de seu próprio povo.

Radicais palestinos antagonizavam o Ocidente, e, quando líderes militantes passaram a recorrer a sequestros e lançamentos de foguetes, enfraqueceram a causa palestina em todo o mundo. Eles empoderaram os colonos e os "falcões" israelenses e evisceraram os "pombos" de Israel.

Hoje em dia o mundo está virado de ponta-cabeça. Agora é Israel que corre perigo devido a seus líderes e sua postura maximalista. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está isolando seu país, e, para falarmos francamente, sua linha dura em relação aos assentamentos mais parece uma política de suicídio nacional.

Nada é mais corrosivo que a construção por Israel de mais casas nos assentamentos, porque isso joga por terra a esperança de um acordo de paz no futuro. O erro mais recente de Netanyahu se deu depois de a administração Obama se ter humilhado, fazendo pressão diplomática plena para bloquear a aceitação pelas Nações Unidas do Estado palestino. Em um momento em que o presidente Barack Obama já tinha várias outras coisas em sua pauta --por exemplo, evitar um derretimento econômico global--, os Estados Unidos desperdiçaram a boa vontade internacional ao ameaçarem vetar o reconhecimento do Estado palestino, algo de que todos afirmam estar a favor.

Na semana passada, com essa briga diplomática nas Nações Unidas já encaminhada, Israel anunciou planos para a construção de 1.100 novas unidades habitacionais em uma parte de Jerusalém que fica fora de suas fronteiras anteriores a 1967. Em lugar de mostrar apreciação pelo que Obama fizera, Netanyahu lhe deu um soco no olho.

Prevejo uma enxurrada de respostas iradas. Tenho consciência de que muitos insistem que Jerusalém precisará ser inteira de Israel de qualquer maneira em qualquer acordo de paz, de modo que novos assentamentos não têm importância. Se essa é sua posição, então você pode dizer adeus a qualquer acordo de paz. Todo negociador conhece os pontos básicos de um acordo de paz --fronteiras de 1967 sem trocas de terra, Jerusalém como capital dos Estados palestino e israelense, direito de retorno apenas simbólico--, e insistir sobre uma Jerusalém inteiramente israelense significa que não haverá acordo de paz, nunca.

O ex-presidente Bill Clinton disse diretamente em setembro que Netanyahu é o culpado pelo fracasso do processo de paz no Oriente Médio. Um fator de pano de fundo, observou Clinton corretamente, é a transformação demográfica e política na sociedade israelense, que vem fazendo o país ser mais conservador em relação a questões de fronteiras e territórios.
É claro que Netanyahu está longe de ser o único obstáculo à paz. Os palestinos estão divididos, com o Hamas controlando a Faixa de Gaza. E o Hamas não apenas reprime seu próprio povo, mas também conseguiu devastar o movimento de paz em Israel. Essa é a coisa mais triste no Oriente Médio: setores de linha dura como o Hamas empoderam representantes da linha dura como Netanyahu.

Estamos diante de um período perigoso no Oriente Médio. A maioria dos palestinos parece sentir que o processo de paz de Oslo não deu em nada, e os israelenses parecem concordar: em uma sondagem recente publicada pelo jornal "Yediot Aharonot", dois terços dos entrevistados opinaram que não existe chance de um acordo de paz com os palestinos--nunca.
A melhor esperança dos palestinos estaria em um grande movimento de base de resistência pacífica não violenta contra os assentamentos ilegais na Cisjordânia, liderado por mulheres e inspirado no trabalho de Mahatma Gandhi e do reverendo Martin Luther King Jr. Um número crescente de palestinos está aderindo a variações sobre esse modelo, embora às vezes o estrague ao definir a não violência como algo que inclui atirar pedras e ao conferir o papel de liderança a homens jovens e de cabeça quente.

As Forças de Defesa de Israel podem lidar com homens-bomba e foguetes disparados pelo Hezbollah. Não tenho igual certeza de que poderiam derrotar mulheres palestinas que bloqueassem as estradas que levam aos assentamentos ilegais, dispondo-se a suportar gás lacrimogêneo e cassetadas --com vídeos de tudo sendo prontamente postados no YouTube.
Netanyahu também prejudicou a segurança de Israel ao queimar as relações com o aliado mais importante de Israel na região, a Turquia. Agora há também o risco de enfrentamentos no Mediterrâneo entre embarcações navais israelenses e turcas. Essa foi uma razão pela qual o secretário da Defesa dos EUA, Leon Panetta, repreendeu o governo israelense alguns dias atrás, por isolar-se diplomaticamente.

Então, partindo daqui, para onde vamos? Se um acordo de paz não surgir logo, e se Israel continuar com sua ocupação, então Israel deveria dar a todos os palestinos das áreas que controla o direito de votar nas eleições israelenses. Se os judeus na Cisjordânia podem votar, então os palestinos que vivem ali deveriam poder fazer o mesmo.

É isso o que significa a democracia: as pessoas têm o direito de votar no governo que controla suas vidas. Alguns de meus amigos israelenses pensarão que sou injusto e áspero, aplicando dois pesos e duas medidas por focar as falhas israelenses e prestar menos atenção às de outros países da região. É justo: me confesso culpado disso. Eu aplico padrões mais altos a um aliado estreito dos EUA como é Israel, que é receptor de assistência americana enorme.

Amigos não deixam seus amigos dirigir embriagados --nem conduzir em um rumo diplomático que leva seu país a afastar-se de qualquer perspectiva de paz. Hoje os líderes de Israel às vezes parecem ser os piores inimigos de seu país, e chamar a atenção a isso é um ato de amizade.

Tradução de Clara Allain

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