quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sem a mentira, o que seria do PT?

Se eu fosse um desses críticos do PT que ignoram a sua natureza, poderia começar meu texto mais ou menos assim: “Não entendo por que o PT, liderando um governo que, inegavelmente, tem virtudes, precisa recorrer à mentira sistemática na campanha eleitoral”. Ocorre que eu não sou um desses e entendo o papel central que a mentira exerce na conformação e na postulação do partido. Na verdade, sem um conjunto de mentiras circunstanciais e sem uma grande mentira conceitual, nem mesmo existiria PT. E o debate de ontem à noite, na Record, que se estendeu até o começo da madrugada de hoje, deixou isso muito claro.

A mentira do pré-sal e do petróleo
Dilma contou uma mentira ao afirmar que seu adversário, se vitorioso, pretende privatizar o pré-sal. Qual é o busílis? Como o governo substituiu o modelo da concessão pelo de partilha, passou a chamar o regime anterior de “privatização”, o que, não fosse deliberadamente falacioso, seria apenas equivocado. Fosse assim, e o tucano José Serra respondeu acertadamente, a própria candidata do PT poderia ser acusada de ter privatizado o “nosso” petróleo, inclusive o do pré-sal. Uma das empresas que assinaram um contrato de concessão é a OGX, do bilionário Eike Batista, e foi essa condição que lhe conferiu uma formidável valorização no mercado.

A campanha de Serra, especialmente no horário eleitoral, enfrentou mal esse debate até agora. Chega a ser escandaloso que não tenha deixado claro, por A + B — já que a imprensa, na era do “declaracionismo”, não o faz — que, em 1995, quando FHC assumiu o governo, a Petrobras produzia 700 mil barris de Petróleo por dia. A empresa detinha, então, o monopólio. A abertura do setor foi fundamental para o crescimento da produção. Em 1999, já havia 38 empresas privadas atuando no país. Atenção: em 2003, em razão das concessões feitas ao setor privado — que nada têm a ver com privatização —, atingiu-se a marca de 1,4 milhão de barris por dia. Entenderam o que aconteceu? Na gestão FHC, DOBROU A PRODUÇÃO DE PETRÓLEO. Hoje, anda em torno de 2,1 milhões de barris/dia. Resumo da ópera: cresceu 100% no governo FHC e 50% no governo Lula. Esse é o fato.

O suposto sucateamento da Petrobras nos anos FHC é outra dessas vigarices cantadas por aí. Em 2000, por exemplo, a empresa teve um lucro de R$ 9,9 bilhões, 6º entre as dez maiores petroleiras do mundo. Recebeu vários prêmios internacionais por seu desempenho. Em 1997, o setor petroleiro respondia por 2,7% do PIB; em 2000, já respondia por 5,4% — tudo isso durante o governo que o PT sataniza tanto. José Sérgio Gabrielli, este militante do PT disfarçado de presidente da Petrobras, deu sucessivas entrevistas na semana passada. Falou o que bem entendeu. Ninguém o contestou com números.

A mentira dos assentamentos e das invasões
Dilma contou uma mentira ao afirmar que o governo Lula assentou mais famílias do que o governo FHC e que as invasões de terra caíram. Ao contrário: as invasões cresceram. Foram 497 as ocorrências entre 2000 e 2002 (na média, 165,67 por ano) contra 1.357 entre 2003 e 2008 (média de 226,17) — um aumento de 37%. Existe uma Medida Provisória contra invasão de terras, editada em 2000. Ela indispõe para reforma agrária terras invadidas. Na oposição, o PT chegou a recorrer ao Supremo contra essa lei. Perdeu. No poder, nunca a aplicou — e, por isso, as invasões explodiram. No momento, João Pedro Stedile está quietinho para não prejudicar Dilma. Mas já avisou que volta com tudo se ela ganhar. Segundo disse, para os invasores, é muito melhor que a vencedora seja ela.

O governo FHC assentou, ao longo de oito anos, 600 mil famílias, marca que Lula não vai conseguir atingir. Assenta menos, mas provoca mais conflitos e mata mais. Estes números, por exemplo, são da Comissão Pastoral da Terra, que é o MST de batina: na atual década, 2003 foi o ano mais violento, com 73 assassinatos em conflitos no campo. Nos outros, o número de homicídios ficou entre 20 e 40. Com relação ao número de conflitos, o período entre 2003 e 2007 foi o mais violento, com em média 1.727 registros, contra 1.170 conflitos em 2008 e 1.184 em 2009. Embora tenha sofrido uma redução, a quantidade de conflitos permanece bem maior do que no início da década (2000, 2001 e 2002), quando ocorreram, em média, 822 por ano. Resumo: Lula assenta menos, o MST invade mais, os conflitos aumentam, e as mortes também.

Impressionante!
Milhares de vezes, ao longo de oito anos, Lula e o PT falsearam os dados sobre o governo FHC. Mentiras pontuais foram criando o grande edifício da mentira conceitual: o governo representaria a grande mudança de rumo e de prioridades. Mas não deixa de ser chocante ver Dilma tartamudear a inverdade ali, ao vivo, sem o conhecido talento de Lula para a representação. E fico cá pensando: “Como é que essa senhora não se constrange?”

Há um cálculo nessas coisas, creio. Entro na cabeça de Dilma mais ou menos como Machado de Assis entrava na cabeça do cônego (é claro que não estou comparando o paraíso com o deserto): “Quem sabe do que estou falando ou endossa a mentira e a considera necessária para eu vencer ou já não vota em mim mesmo. Então, tudo bem! Quem não sabe pode acabar acreditando que falo a verdade e que os meus adversários querem mesmo ‘dar’ as riquezas brasileiras para os gringos. Assim, a mentira me é útil”

E então ela segue adiante, na sua versão alucinada da história. Vai dar certo? Não sei! Se der, terá de arcar, depois, com o peso da realidade, sem ter a mesma competência de Lula na arte do ilusionismo.

Reinaldo Azevedo

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