quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Democracia à brasileira

O parlamentar está diante do armário. Lá dentro, flutuam, suspensos nas ombreiras dos cabides, ternos de impecável corte. Cada um com um distintivo diferente. Ora é do volátil PTB, ora do sobrevivente PP, ora do PQC, o “Partido Qualquer-Coisa”. Às vezes é de algum partido novinho em folha, recém-formado na esquina.

Há partidos que já mudaram de nome várias vezes. O PL agora é PR — Partido da República — e já perdeu a identidade, pois nem sabe direito como se chama. O PFL inaugurou um nome novo há pouco tempo, atendendo à sugestão do marqueteiro para se chamar Demo, ou Democratas... Quanta imaginação! Seria uma “sociedade” com o seu congênere americano, muito mais antigo?

E há ainda os inconspícuos e os inomináveis, como o Partido dos Peixinhos, os socialistas de todos os matizes, o Prona — sem o Enéas — o Partido dos Aposentados do Brasil e mais um sem-número de partidinhos e partidecos, como o PTB do B, o PUM e o PAC — que até parece um partido, mas não é.

Multiplicam-se nessa sopa de aletria miríades de legendas constituídas à sombra dessa kafkiana legislação eleitoral, que a tudo permite, especialmente a fraude.

Qual desses “paletós” nos representará?

Representação. Este é o instituto basilar da democracia moderna, pós-Oliver Cromwell, e pós- limitação do absolutismo dos reis, que virou monarquia parlamentarista, no século 17.

Um parlamentar representa o universo dos seus eleitores, circunscritos em “distritos”. Recebe uma procuração do eleitor para representá-lo segundo os programas e as idéias do partido ao qual pertence — e pelo qual foi eleito.

No Brasil, este “instituto” não existe mais. Os próprios partidos não sabem o tamanho de suas bancadas. Elas “mudam” ao raiar de cada nova aurora, sob a “luz negra” do fisiologismo.

Uma vez eleitos, os parlamentares — com as honrosas exceções que confirmam a regra — rompem os seus vínculos com os eleitores, vestem um paletó novo e vão tratar do seu bolso e do seu “negócio”. Trocam de partido como quem troca uma cueca suja.

Não há mácula maior para o Poder Legislativo do que essa sórdida volatilidade da “Bolsa Parlamentar”. Pior: a extinção desse comércio não acontecerá tão cedo, pois caberá aos próprios “vendilhões” operar a reforma do templo.

Depois de penosas tentativas, o Congresso aprovou uma lei que moralizaria a vida partidária. A dita “cláusula-de-barreira” mediria o tamanho e a seriedade dos partidos, contabilizando os seus votos em pelo menos nove Estados, nos quais a agremiações viáveis deveriam somar ao menos 5% dos votos.

O STF derrubou a cláusula moralizadora, considerando-a “inconstitucional”.

Constitucional, mesmo, é o partido de aluguel que providencia suas “atas” no Café da esquina e depois “negocia” os segundos de televisão a que tem direito, na lamentável arenga do “Horário Gratuito”.

Se os nanicos não se dão o respeito, os partidões mais parecem grandes “cachopas”, onde se digladiam marimbondos de várias famílias e facções.

Partidos-ônibus, como o PMDB, estão sempre na vitrine para compor com o partido do governo, seja ele qual for. O que interessa, no momento, é ser “reboque” da tia Dilma e dividir o presunto para os próximos quatro anos.

Os parlamentos quase não se reúnem para deliberar. Nunca tantos parlamentares faltaram tanto a sessões deliberativas, publicam os jornais. A não ser quando devem votar sobre temas constrangedores, como os que se vinculam à corrupção endêmica.

A “pauta” dos parlamentos é bem variada: quem vai pagar a pensão da amante do Renan Calheiros, quem vai empregar o namorado da netinha do Sarney, quem vai processar o deputado da meia ou o vice que avisou os malfeitores: “olha, vocês estão sendo investigados!”

É a democracia a la bralisiana — fazer o quê?

Sérgio da Costa Ramos

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