sábado, 14 de fevereiro de 2009

ESQUERDA EM SILÊNCIO

Feras domesticadas pelo Planalto
A esquerda brasileira anda silenciosa na Era Lula. Habituados a ocupar as avenidas de Brasília em manifestações gigantes contra os governos anteriores, partidos e organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) passaram a liderar eventos em defesa das ações do Planalto.

A mudança de comportamento começou em agosto de 2005, com a caminhada do “Fica Lula”, organizada para apoiar o governo, à época mergulhado no escândalo do mensalão. Com receio de que alguma das três CPIs então instaladas no Congresso resultasse num pedido de impeachment de Lula, CUT, MST e a União Nacional dos Estudantes (UNE) reuniram mais de 5 mil pessoas em frente ao Congresso, hostilizando parlamentares de oposição e prestando solidariedade ao presidente. Estava inaugurada uma nova prática em Brasília: o protesto a favor do Planalto, algo inédito, por exemplo, nos governos Fernando Collor (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Desde então, são escassas as megapasseatas na Esplanada dos Ministérios e nas cercanias do Palácio do Planalto. Nos últimos anos, as manifestações se resumem a movimentos grevistas ou a pressões sobre o Congresso. No episódio mais virulento durante o governo Lula, 300 integrantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), uma dissidência radical do MST, invadiram e depredaram a Câmara em 2006, em protesto pela reforma agrária. Para reclamar de uma prerrogativa exclusiva do governo, a violência foi direcionada ao parlamento.

– A esquerda agora está no poder. Não há oposição como o PT e os movimentos sociais faziam. Imagina se hoje um grupo de direita iria invadir o apartamento de Lula, como fizeram na fazenda de Fernando Henrique Cardoso – analisa o antropólogo Roberto da Matta.

Apesar da relação amistosa com o governo, o MST tenta reforçar a imagem de independência. É comum, porém, a presença de líderes vinculados à defesa da reforma agrária na antessala de gabinetes ministeriais. No orçamento do ano passado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário dispôs de R$ 5,9 bilhões para a organização de assentamentos. Somente para entidades privadas ligadas ao setor, o ministério destinou R$ 206 milhões em 2008.

– Não ficamos calados nem paramos com as ocupações e as marchas. Mas também não fizemos nenhum ato contra. Não queremos que o governo seja um fracasso – admite o vice-presidente da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch.

Para presidente da CUT, entidade “passou de fase”

Maior central sindical do país, na quarta-feira a CUT organizou nas principais cidades do país o Dia Nacional de Luta pelo Emprego e pelo Salário, mas o principal alvo da entidade foi o governador de São Paulo, José Serra, provável candidato do PSDB à Presidência em 2010. No Estado, a governadora Yeda Crusius enfrentou a campanha promovida por sindicatos que estampava, em cartazes e outdoors, fotos dela ao lado de mensagens como “Essa é a face da destruição do RS”.

Presidente da CUT, Artur Henrique da Silva refuta um eventual controle da entidade pelo Planalto. O sindicalista, contudo, admite manter uma relação amistosa com o governo.

De acordo com Henrique, a redução no volume de manifestações é fruto dos canais de diálogo abertos pelos ministros de Lula. Ele também descarta a convocação de greves gerais, instrumento utilizado com frequência contra governos anteriores.

– Greve geral para quê? Não podemos ter a infantilidade de alguns extremistas de esquerda que acham que vão derrubar o governo e instalar um regime revolucionário e socialista. A CUT já passou dessa fase. Fizemos cinco marchas no governo Lula, só que agora elas culminam em reuniões com os ministros e não em tentativas de invasões – justifica Henrique.

O sociólogo de orientação marxista Emir Sader aponta como um dos motivos para a passividade da esquerda a presença no governo de sindicalistas e representantes de movimentos. Ao atender a parte das demandas de categorias historicamente alinhadas ao PT, Lula teria apaziguado os ânimos de uma classe antes marginalizada.

– O governo tem 85% de popularidade, 5% de rejeição. Agora há mais crédito, mais terra. Nem a oposição é anti-Lula, ela se diz pós-Lula – afirma Sader, um dos idealizadores do Fórum Social Mundial, cuja edição deste ano obteve R$ 86 milhões em recursos federais.

fabio.schaffner@gruporbs.com.br

FÁBIO SCHAFFNER Brasília

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