segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Chat com Marco Antônio Villa

Chat com Marco Antônio Villa(18/1/2001)
Moderador 22:54:07
Marco Antônio Villa

O historiador Marco Antônio Villa tem provocado muita polêmica. Doutor em história social e professor universitário há 16 anos, sete deles na Universidade Federal de São Carlos (UFScar), ele é o autor da coleção Sociedade e História do Brasil, escrita para o Instituto Teotônio Vilela. A obra tem alcançado muita repercussão, pois Villa discute os mitos da história brasileira ao destronar heróis como Tiradentes, ao questionar a idéia de que a República realmente significou progresso ao País e ao classificar o ex-presidente João Goulart como incapacitado. Villa é autor de outros 15 livros, entre eles Vida e Morte no Sertão, que traz a história das secas entre os séculos 19 e 20.

Moderador 20:03:45
Anônimo pergunta: Professor, que história é esta de a República não ter dado certo? Você acha que a monarquia é melhor?
Marco Villa 20:04:57
Boa noite. Temos de pensar o problema na conjuntura histórica de 1889: naquele momento o Terceiro Reinado significaria a adoção de uma série de políticas favoráveis aos mais pobres, especialmente os negros recém-libertados.

Moderador 20:05:21
CarloJean pergunta: A sua abordagem tem a deliberada intenção de destruir ídolos?
Marco Villa 20:06:24
Carlo Jean, a idéia é de questionar a construção dos mitos na nossa História e não de destruir os "nossos ídolos".

Moderador 20:07:14
Rodrigo Furtado diz: Professor, trabalho com o tema da cidadania (ativa?) na transição do Império para a República, visando, a grosso modo, a análise do processo de 'republicanização' das instituições políticas brasileiras. Como tratar deste assunto, do povo bestializado com o processo? Sou recém-formado em ciências sociais pela Unesp de Araraquara e pretendo prestar o mestrado em São Carlos.
Marco Villa 20:09:30
Rodrigo Furtado, o seu tema é excelente e instigante. Diferentemente da França, a nossa república foi uma construção de um pequeno grupo de políticos e intelectuais sem apoio popular. Foi uma história de exclusão das maiorias desde o seu início. O sentido anti-povo está muito presente na história republicana.

Moderador 20:10:31
CarloJean pergunta: Sou antropólogo e gostaria de saber se a coleção chega a abordar o papel dos indígenas na formação da nacionalidade e se repensa ídolos do indigenismo, como o Marechal Rondon!
Moderador 20:11:18
ninguém pergunta: Gostaria de perguntar ao senhor Villa por que sua resposta ao deputado Aldo Rebelo na "Folha", não foi mais crítica ao PSDB, uma vez que sabemos a posição dos 'próceres'desse partido com relação aos movimentos populares. Sei que ele não é um simpatizante do PSDB, mas seria ótimo se não restassem dúvidas a respeito.

Moderador 20:11:50
Anônimo pergunta: Roberto/sp - Marco, qual o problema com Tiradentes? Sabemos que ela não tinha barba e que a história foi um pouco romanceada, assim como a declaração de independência feita por dom Pedro I, que na realidade desceu do cavalo para ir ao mato fazer suas necessidades.
Marco Villa 20:12:17
Carlo Jean, infelizmente não. A razão é que fizemos um texto sintético e voltado para o ensino de 2º grau. A coleção não tem o objetivo de reconstruir a história do Brasil mas simplesmente apontar alguns momentos da história do Brasil independente e discuti-los.

Moderador 20:13:12
Giovani pergunta: Historicamente como se explica a enorme diferença da riqueza de nosso país comparado com os EUA, ambas nações jovens?
Marco Villa 20:14:32
Caro ninguém, realmente nada tenho com o PSDB. Fui convidado a escrever esta coleção e fiz o meu trabalho da melhor forma possível, mas, é claro, são os leitores que julgarão a coleção. Quanto ao governo FHC, você sabe, há muitos problemas especialmente quando pensamos nas maiorias (negros, camponeses sem terra, indígenas) e que não tiveram suas demandas atendidas até hoje..
Marco Villa 20:15:24
Roberto, A discussão com Tiradentes é um pretexto para discutir a construção do mito pelos republicanos, somente isto.

Moderador 20:16:34
rr pergunta: Destruir mitos ou criar outros? Terceiro reinado a favor dos negros? Futurologia? Qual a base disso?
Marco Villa 20:17:08
Giovani, este é um problema complicado e que não dá para discutir neste espaço. Desde os anos 50 foram produzidos livros que de uma forma ou de outra acabarão tratando da questão. Celso Furtado em "Formação Econômica do Brasil" dedica dois capítulos a esta sua pergunta.

Moderador 20:17:21
mark pergunta: Como o senhor vê a importância da igreja na colonização açoriana e/ou portuguesa no Rio Grande do Sul?

Moderador 20:18:18
clara pergunta: Professor,ao chamar Jango de 'banana' o senhor avalia que ele não foi importante para o País?
Marco Villa 20:19:10
Rr, não é futurologia mas história. Basta analisar a conjuntura de 1889, as críticas violentas de Rui a D. Pedro II e a Princesa Isabel e o medo de uma aliança da Coroa com os negros. Lembre-se que a República exclui os negros do processo eleitoral quando retirou os analfabetos como cidadãos. Dos negros, 99,2% eram analfabetos.

Moderador 20:20:21
clara pergunta: Que outros mitos podemos entender melhor? É verdade que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea com outros pretextos?
Marco Villa 20:20:37
Mark, conheço pouco ou nada do assunto. O papel da Igreja Católica no processo mais geral de conquista do Brasil não foi nada louvável. Os indígenas acabam sendo exterminados em nome de Cristo. Raros foram os padres que defenderam os indígenas, como ocorreu na América espanhola com Las Casas, por exemplo.

Moderador 20:21:10
ninguém filosofa: Talvez o senhor pudesse ter aproveitado o pretexto da polêmica jornalística para estabelecer uma relação mais viva e concreta entre o passado e o presente, mostrando que da mesma forma que a esquerda passadista que critica seu trabalho por temer pelo destino das figuras históricas construídas
Marco Villa 20:21:46
Clara, Jango não foi uma figura à altura das contradições políticas que o Brasil vivia naquela época, infelizmente. Botou fogo no curso e depois foi para o Uruguai e nós tivemos de agüentar 21 anos de ditadura.
Marco Villa 20:23:21
Clara, que eu saiba, não. O abolicionismo foi o primeiro movimento de massas da nossa história. E a maioria dos líderes abolicionistas eram monarquistas, como Rebouças e Nabuco. Eles desejam a abolição juntamente com uma reforma agrária que transformasse o negro em cidadão.
Moderador 20:23:32
Rodrigo Furtado pergunta: Professor: como se poderia melhor recortar um objeto de estudo em se tratando de analisar a questão da cidadania nas décadas de 70/80 do século passado? Através de jornais de épocas, de bibliografia primária ou deveria se estender mais o período a ser estudado? Qual a relação que poderíamos fazer com a cidadania atualmente?
Moderador 20:23:38
clara pergunta: Como o senhor avalia as gestões de FHC? Como tucano o senhor não está decepcionado? E como avalia aliança com o ACM?
Marco Villa 20:24:17
Ninguém, você tem razão , mas na imprensa sempre falta espaço. O mais estranho é que se estivéssemos discutindo isto na década de 50, seria a direita que estaria furiosa.
Marco Villa 20:26:05
Rodrigo, você já respondeu mas é bom consultar os anais parlamentares, memórias, relatórios ministeriais e documentos governamentais em geral, Infelizmente temos pouquíssimos textos de ex-escravos para poder pesquisar.
Moderador 20:26:12
waack pergunta: Tenho a plena certeza de que a República foi um retrocesso para o nosso Brasil, mas ela está aí. Gostaria de saber com toda a sinceridade. Temos algum estadista para substituir Fernando Henrique Cardoso?
Moderador 20:26:24
clara pergunta: Corrupção e fraudes sempre fizeram parte da nossa história?
Marco Villa 20:27:29
Clara, você não deve ter lido uma das minhas respostas: não sou tucano. A aliança com ACM deve-se ao projeto do governo de obter maioria no Congresso. O grande problema é que uma aliança deste tipo acaba levando o governo para a direita e impede - caso o governo deseja - uma política de reforma em defesa das maiorias.
Marco Villa 20:28:20
Waack, sinceramente não sei. Nós nunca fomos fortes em estadistas...
Moderador 20:28:28
mark pergunta: O passado, tão distorcido e encoberto como o que temos em seus vários âmbitos, ainda assim serve de base para 'entender o presente e prever o futuro', dentro daquela velha máxima tão difundida?
Moderador 20:28:48
Giovani pergunta: Quais na sua opinião foram grandes nomes na construção de nosso país?
Marco Villa 20:29:39
Clara, infelizmente sim mas é inegável que se você analisar o Segundo Reinado comparando com a República Velha verá uma enorme diferença em relação ao trato da coisa pública. Veja que na resposta que publiquei na terça na Folha citei uma carta de Campos Sales tratando deste tema.
Moderador 20:29:59
rr pergunta: Sua análise da queda de Jango e do surgimento da ditadura não é muito simplista? Jango culpado e nós pagamos o pato?
Marco Villa 20:31:00
Mark, creio que sim mas isto não é determinante. Não estou entre aqueles que dizem que a razão do nosso atraso deve-se aos portugueses: estamos independentes há 200 anos de Portugal.
Moderador 20:32:19
Roger pergunta: Como o senhor avalia a chegada da família real ao País?
Marco Villa 20:32:36
Giovani, Do século XIX para cá foram D. Pedro I, D. Pedro II, Getúlio Vargas e Juscelino. É evidente que também tivemosgrandes líderes populares desde Antonio Conselheiro, Prestes, João Cândido, Lula (este ainda temos) e por aí vai.
Moderador 20:32:55
ninguém pergunta: Como o senhor acha que os historiadores podem contribuir mais para tornar a visão de história do cidadão comum mais sofisticada? Acha que polêmicas como as que o senhor travou são úteis nesse sentido?
Marco Villa 20:33:46
Rr, a discussão é complicada e não dá para fazer aqui. Até estou pretendendo escrever um livro sobre os anos 61-64.
Marco Villa 20:34:35
Roger, segundo os especialistas, a chegada da família real deu início ao processo independentista (veja, por ex., Caio Prado Jr.)
Moderador 20:34:52
Rodrigo Furtado pergunta: São Carlos, em uma pós em sociologia política, oferece-nos meios para obtermos esses materiais de pesquisa? Qual a viabilidade deste tema com as linhas de pesquisa da UFSCar?
Marco Villa 20:36:04
Ninguém, as polêmicas são fundamentais e nos historiadores precisamos escrever para um público leitor grande numericamente e que deseja conhecer História do Brasil.
Moderador 20:36:44
Roger pergunta: Na sua opinião qual foi o período de maior progresso para o País? Já vivemos algum momento com maior distribuição de renda?
Marco Villa 20:36:47
Rodrigo, eu trabalho também com este período: basta, inicialmente, apresentar um projeto.
Marco Villa 20:37:27
Roger, os anos 1930-1960 podem ter sido os anos dourados do nosso século XX.
Moderador 20:37:41
Clio pergunta: Parece expressar simpatias pelo regime monárquico. Poderia esclarecer isso? Em segundo lugar poderia, sucintamente, reafirmar a sua posição em relação ao personagem Tiradentes?
Moderador 20:38:16
jota pergunta: Em sua opinião qual será o melhor candidato para substituir FHC?
Moderador 20:39:29
walterney pergunta: Um povo deseducado pode assimilar líderes???
Marco Villa 20:41:13
Clio, quanto ao regime monárquico creio que já respondi e também escrevi sobre isso em alguns livros meus ("Canudos, o povo da terra"; "A Queda do Império: os últimos momentos da monarquia no Brasil", entre outros). Tiradentes foi um mito construído pelos nossos republicanos por volta de 1880: afinal, a república tinha de ter seu herói e preferencialmente do Sul, pois foi um movimento desta região. Lembre-se que Frei Caneca, por exemplo, teve um papel muito mais expressivo no século XIX.A Conjuração Mineira foi um movimento com um profundo sentido conservador muito menos importante do que a Conjuração Baiana, esta sim com participação popular.
Moderador 20:41:43
Roger pergunta: Como o senhor avalia a mudança do senador Teotônio Vilela no período da luta pela a Anistia?
Marco Villa 20:41:58
Jota, não tenho a mínima idéia. Só espero que seja alguém comprometido em atender as demandas dos mais pobres.
Moderador 20:42:00
Rodrigo Furtado pergunta: Vargas mereceu a alcunha de estadista? Em caso afirmativo, em que fase?
Marco Villa 20:42:44
Walterney, a educação é fundamental em um processo de transformação social. Infelizmente, neste quesito continuamos mal.
Marco Villa 20:43:28
Roger, o papel de Teotônio Vilela foi importantíssimo no final da ditadura, na luta pela anistia e em SP quanto das greves do ABC.
Marco Villa 20:45:33
Rodrigo Furtado, Vargas marcou o século XX brasileiro, independentemente se gostamos ou não dele.Vargas tem muitas facetas mas não é correto esquecer as barbáries do Estado Novo, quando centenas de oposicionistas foram presos, torturados e alguns expulsos do Brasil (lembre-se de Olga Prestas deportada grávida para a Alemanha).
Moderador 20:45:56
Giovani pergunta: Historicamente em nosso país podemos dizer que existe ou existia um descaso com a educação em geral como forma de melhor manipular as massas?
Moderador 20:46:11
walterney pergunta: Qual a dinâmica da história??? Quero dizer, não existe prêmio Nobel de História, existe???
Marco Villa 20:47:27
Giovani, é difícil responder seriamente esta questão. Panfletariamente poderia dizer que sim mas, lembre-se que para a própria classe dominante nem sempre é bom ter um povo sem educação formal. No nosso caso, a educação só se transformou em um grande tema político depois da revolução de 1930.
Marco Villa 20:48:16
Walterney, não entendi bem a sua pergunta. Prêmio Nobel de História não existe mas não seria nada mal criá-lo.
Moderador 20:49:14
mark pergunta: Existe algum partido político no Brasil que, efetivamente, possua um referencial histórico e ideológico, reavivando idéias de partidos de épocas mais distantes?
Moderador 20:49:25
Luciano-- pergunta: O Brasil ainda vai ser uma potência?
Moderador 20:49:47
Robson pergunta: Voltando a Tiradentes, qual era, na opinião do professor, o objetivo da Conjuração Mineira?
Marco Villa 20:50:43
Mark, temos mais de 3 dezenas de partidos, partidos para todos os gostos. Creio que cabe a cada um de nós analisar a ação prática de cada um deles e militar/votar naquele que estiver mais próximo do que desejamos para o Brasil.
Marco Villa 20:51:06
Luciano, vai ser difícil.
Marco Villa 20:52:37
Robson, os grandes estudos sobre a Conjuração Mineira (Maxwell em especial) demonstram que os conjuradores não queriampagar impostos que deviam a Portugal (os valores devidos eram altíssimos). Buscar um ideário republicano e de Brasil no movimento é um enorme exagero.
Moderador 20:52:57
mark pergunta: Qual sua opinião sobre Eduardo Bueno? Ele é apenas um historiador light, próprio para leituras rápidas, ou acrescenta informações às questões do descobrimento?
Marco Villa 20:54:23
Mark, Bueno é um jornalista que trabalha com a história e não um historiador. Obviamente, que não há qualquer problema nisso mas não podemos misturar as coisas. O grande problema é que nós historiadores nem sempre escrevemos para um público mais amplo. Nossas teses são herméticas e de difícil leitura.
Moderador 20:54:37
Roger pergunta: Como o senhor avalia a relação de Chatô e Getúlio Vargas?
Moderador 20:55:17
Luis Paulo pergunta: PRECISO MUITO LER ESTE LIVRO...COMO FAÇO?
Marco Villa 20:55:49
Roger, sinceramente desconheço o assunto. O Fernando Morais escreveu uma longa biografia do Chatô e lá certamente você encontrará a resposta.
Marco Villa 20:56:42
Luis Paulo, ligue para o ITV: (61) 311-3566.
Moderador 20:57:28
Roger pergunta: No seu ponto de vista a imprensa já esteve tão conivente ao governo como a atual?
Moderador 20:57:39
Rodrigo pergunta: Qual o motivo que levou o Brasil a ter uma dívida tão grande com os EUA?
Moderador 20:57:45
Luciano-- pergunta: Qual a sua opinião sobre Dona Leopoldina e o seu papel no processo de independência do Brasil?
Marco Villa 20:57:53
Roger, creio que não.
Marco Villa 20:58:46
Rodrigo, foram os empréstimos contraídos principalmente durante a ditadura militar. Muito dinheiro acabou "sumindo".
Marco Villa 21:00:00
Luciano, a Leopoldina tem um papel importante pois era filha do Imperador da Áustria, líder da Santa Aliança. O seu papel histórico é pouco estudado.
Marco Villa 21:00:54
Pela primeira vez participei de um bate-papo deste tipo e achei muito bom. Espero outra vez ser convidado. Abraço para todos.

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