quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O Estado brasileiro no banco dos réus

Na ocasião dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, resolvi fazer um julgamento do Estado brasileiro, a exemplo do que fizeram diversos movimentos populares entre os dias 4 e 6 de dezembro na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, no chamado Tribunal Popular.

Desde a “redemocratização”, notamos que temos avançado quase nada no que se refere à garantia dos Direitos Humanos. Tradicionalmente, dividem-se os Direitos Humanos em três gerações: a primeira dos direitos individuais, a segunda dos direitos sociais e a terceira dos direitos coletivos. Ocorre que, ao Estado não garantir os direitos de segunda geração, os de primeira também são ameaçados. Quando uma pessoa não tem direito à educação, como ela terá direito à liberdade de expressão?

Vinte anos depois da promulgação de nossa Constituição Federal, não vemos políticas públicas efetivas de combate à desigualdade social. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo, não passa de uma carta de boas intenções. Enquanto isso, boa parte de nossas riquezas vão para o bolso dos banqueiros. A proposta orçamentária para 2009, encaminhada pelo poder Executivo ao Congresso, prevê nada menos que R$ 236 bilhões para o pagamento de juros e amortizações das dívidas externa e interna, e mais R$ 523 bilhões para a chamada “rolagem” dessas dívidas, ou seja, o pagamento de amortizações com a tomada de novos empréstimos. Por outro lado, o governo reserva apenas R$ 55 bilhões para a Saúde, R$ 38 bilhões para a Educação, ou R$ 6 bilhões para a Reforma Agrária. A auditoria da dívida está prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 26 do ADCT, até hoje não cumprido). E como toda ação ou omissão tem uma reação, a violência assola o País. Não só a violência policial, mas a violência da falta de moradia, a violência da falta de educação, a violência da falta de saúde. Assim, o que fica evidente, é que o Estado brasileiro é o maior ofensor de Direitos Humanos.

As populações carcerárias batem recordes. O Brasil é o País com a oitava maior população carcerária do mundo. Em 1995, a proporção era de 95 presos para cada 100 mil habitantes. Hoje, esse número aumentou e já chega a 227 presos para cada 100 mil habitantes, dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Contabilizados os mandados de prisão expedidos e não cumpridos, o País estaria na terceira posição mundial. A taxa da população carcerária do Brasil por habitante está bem acima da média da América do Sul, que é de 165,5 por 100 mil. Nessa imensa população carcerária notamos que a grande maioria são jovens, negros ou pardos, pobres e com baixíssima escolaridade.

Nas regiões pobres, o poder público só se faz presente por meio da repressão. Não há escolas decentes, postos de saúde e políticas sociais para a juventude. A lógica da segurança pública é a da ditadura “militar”, da busca de inimigos, em uma reafirmação da lógica da guerra, na qual a meta é derrotar o inimigo. Esse cenário enfraquece o poder público e faz com que sua soberania seja limitada. As milícias cariocas são frutos dessa deformidade, claro sinal de um perigoso processo de privatização da segurança. Como se não bastasse isso, até mesmo o Exército tem se equipado para combater “os bandidos”, como a criação do Batalhão de Infantaria Leve (BIL), que inclusive têm feito seus treinamentos no Haiti. Apenas na cidade do Rio de Janeiro, entre 1987 e 2000, esses índices só aumentaram, foram mortos, à bala, mais menores de idade do que nos conflitos da Colômbia, Iugoslávia, Serra Leoa, Afeganistão, Israel e Palestina! Até quando teremos que continuar a ver assassinatos, como recentemente o do garoto do Rio de Janeiro Mateus Rodrigues, de 8 anos, que ao abrir o portão de sua casa para ir comprar pão foi executado com um tiro de fuzil na nuca, que saiu pelo rosto junto com sua dentição?

Essa erosão de direitos chega a tal ponto que inclusive a Ordem dos Advogados do Brasil tem sido vítima. A OAB iniciou uma campanha em defesa das prerrogativas dos advogados, um dos pilares do Estado Democrático de Direito, prerrogativas essas que vêm sendo sistematicamente atacadas. Contraditoriamente, essa mesma OAB entregará uma medalha de Direitos Humanos ao presidente do STF, Gilmar Mendes, tribunal esse que deveria ser o grande guardião de nossa Constituição e que nos últimos tempos tem dado declarações nada democráticas sobre a ditadura “militar”.

Sendo assim, como o Tribunal Popular, condeno o estado Brasileiro, condeno-o à pena máxima, mas essa pena não é como a que o réu vem aplicando às suas vítimas, não o condeno ao encarceramento, pois isso não recupera ninguém; não o condeno à morte, pois poderia vir outro “delinqüente” como ele; o condeno à sua transformação radical, para que se transforme em mecanismo de justiça, de paz, de solidariedade, de proteção a todas as pessoas. Que essa pena seja executada pelo povo brasileiro!


Rafael Moya

Advogado, membro do Fórum de Direitos Humanos de Campinas.

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