segunda-feira, 14 de julho de 2008

Brasil - a superpotência

Suely Caldas*

Mesmo com inflação em alta, déficit externo subindo, a Bovespa despencando e previsões de crescimento econômico em queda, o jornal inglês Financial Times (FT) reconhece que "o Brasil surfa em uma grande onda de confiança". E escreve: "não é exagero dizer que está à beira do status de superpotência". O otimismo está descrito em seis páginas de um caderno especial sobre o Brasil, que circulou na edição da última quarta-feira. O FT divide esse sucesso entre os dois últimos governos, ao destacar que as bases dessa prosperidade foram construídas na gestão de Fernando Henrique Cardoso e, na época, condenadas por Lula e pelo PT. "Mas, no governo, Mr. Lula da Silva e seus conselheiros passaram a ver o valor, sobretudo para os pobres, da inflação baixa e da estabilidade econômica", registra o FT. Foi assim que Lula manteve a política econômica de FHC, apesar da oposição e de protestos da maioria dos companheiros petistas.

Como desenvolvimento não costuma cair do céu, mas resulta de um programa de ações de construção do futuro, o FT condiciona a superpotência a dois desafios que o governo Lula se recusa a enfrentar, seja por oportunismo político, seja porque não sabe fazer: executar as reformas (política, da previdência, trabalhista e fiscal) e dar eficiência à infra-estrutura e a serviços essenciais. "A infra-estrutura do País é uma confusão. A saúde pública e os serviços de educação são persistentemente inadequados. E o custo de falhar ao lidar com essas questões pode trazer outra geração de oportunidades perdidas", adverte o FT.

De fato, depois de uma década inteira perdida nos anos 80, a geração que viveu a partir da era FHC encontrou um Brasil melhor: uma moeda estável e respeitada, a inflação controlada, reformas estruturais iniciadas, estatais deficitárias privatizadas, estrutura jurídica do País modernizada, bancos sólidos e sem risco de quebradeiras para os depositantes, autonomia do Banco Central (BC), fim de obsoletos e ineficientes monopólios estatais, Estados e municípios com finanças organizadas, Lei de Responsabilidade Fiscal e outros feitos que Lula herdou. O Estado deixou de ser (o mau) gestor de empresas para se concentrar em preparar a infra-estrutura para o desenvolvimento e prestar serviços eficientes à população.

É o que falta ao País desde FHC. É a ressalva feita pelo FT ao falar de "outra geração de oportunidades perdidas". Quanto às reformas estruturais, mencionadas pelo jornal, Lula se recusa a tocá-las para não enfrentar o custo político, embora saiba que elas são absolutamente essenciais para o desenvolvimento do País.

Mas a preocupação maior está no presente: conduzir a gestão do País no sentido de neutralizar os efeitos negativos da crise econômica mundial e do surto inflacionário que assusta o planeta. "Há sinais de que a estabilidade macroeconômica pode estar ameaçada", escreve o FT.

E, nesta batalha, o BC está solitário. O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentam resolver o problema da inflação ignorando-o, fingindo que não existe. Mantega diz tratar-se de "uma inflação do feijãozinho", Lula orgulha-se por não perder "um minuto de sono com a inflação". E ela chegou rápido, a cada semana as previsões são corrigidas para cima.

No primeiro semestre do ano, o IPCA, que mede a meta do governo, atingiu 3,64% e 6,06% nos últimos 12 meses. O IBGE já admite que o índice ultrapasse o teto da meta (6,5%) em dezembro. Para os pobres a inflação tem sido mais cruel. Chegou a 5,97% no semestre e a 9,11% em 12 meses, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas. E pior é o risco de indexação de preços, que se tem processado sem alarde, espraia-se pela economia e, gradativamente, vai realimentando os reajustes de preços, criando um ambiente de pessimismo inflacionário no qual "a política monetária pode perder eficiência", alerta o presidente do BC, Henrique Meirelles.

Sem a política monetária o BC perde a única arma ao seu alcance para controlar a alta de preços. A segunda arma mais poderosa - frear os gastos do governo, aumentar o superávit primário e reduzir a dívida pública -, Lula resiste a usar. Afinal, é ano eleitoral... E desperdiça o excelente momento de crescimento da receita tributária para reduzir a dívida pública e pagar menos juros.

Até agora o Brasil se tem saído melhor que outros países no combate ao surto inflacionário mundial. Mas o risco está em nossa prática histórica de, com jeitinho, ir acomodando a inflação..

*Suely Caldas é jornalista e professora de Comunicação da PUC-Rio.
E-mail: sucaldas@terra.com.br

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