segunda-feira, 21 de julho de 2008

A direitização da Europa

A recente vitória de Silvio Berlusconi sobre a coalizão de partidos social-democratas da Itália precisa ser examinada atentamente. Não se trata de um acaso ou de um episódio limitado à política italiana. Precisa ser visto juntamente com a vitória de Sarkozy na França, dos conservadores na última eleição inglesa e de partidos da direita nos países nórdicos. Trata-se de uma evidente guinada à direita.

Esta ameaçadora "direitização" do mundo desenvolvido pode ser explicada pela conjugação de duas tendências presentes na atual conjuntura do mundo capitalista: a imigração e o desemprego.

A tendência ao crescimento das imigrações é uma conseqüência direta da economia neoliberal, causadora do aumento da disparidade entre as nações ricas e as nações pobres. Reduzidas a uma condição de tamanho pauperismo, essas nações não conseguem sequer alimentar suas populações, o que conduz a tal aumento das tensões que, além da tragédia da fome, causam guerras fratricidas, como está se vendo na África e na Ásia.

A única válvula de escape dessas populações desesperadas é a imigração para um país rico.

A imigração interfere na tendência ao desemprego inerente à produção automatizada e às novas formas de valorização do capital que ela propicia. Os assalariados de todas as categorias vivem angustiados pela ameaça de perda de seu emprego e a parcela da juventude que não consegue encontrar trabalho tende a adotar condutas perturbadoras.

Nesse contexto, a juventude inconformada que queimou milhares de automóveis nas periferias de Paris e o imigrante que compete com o desempregado por um trabalho são percebidos, pelo enorme contingente humano dominado pela sensação de insegurança, como os inimigos a combater.

Nesse clima social tenso, o discurso truculento dos líderes da direita leva uma enorme vantagem sobre o discurso social-democracia, tido como a esquerda.

A "Terceira Via" de Bill Clinton e Tony Blair, que serviu de paradigma para a virada à direita dos partidos socialistas europeus não resistiu ao impacto das transformações da economia capitalista.
A direita vitoriosa ainda não se apresenta, como outrora, com um programa fascista, mas caminha, na prática, para situações deste tipo. O paradigma, no caso, é a sociedade estadunidense – que dividirá com a China as transformações que ocorrerão no mundo, nas décadas futuras. De lá vem, neste momento, a mudança mais importante nas concepções relativas à criminalidade e ao direito penal.

O problema pode ser colocado da seguinte maneira: que alternativas tem um "sujeito monetário sem dinheiro" numa sociedade em que o dinheiro é a condição para o acesso a todos os bens produzidos pela economia? Obviamente, ele tem que aceitar qualquer tipo de serviço remunerado ou então voltar-se para algum tipo de delinqüência.

Para evitar a segunda alternativa, é preciso dotar o Estado capitalista de leis que criminalizem a pobreza.

As penitenciárias nos EUA confinam hoje dois milhões de presos, a fim de deixar claro para os pobres que este será o destino dos que não se sujeitarem ao trabalho precário – o único que resta a porcentagens cada vez maiores da população.

Não é fácil para um governo social-democrata endurecer a legislação penal. Mas isso é exigido por uma população que vive cada vez mais insegura quanto ao seu futuro e cada vez mais confinada em sua casa pelo temor de sofrer violência nas ruas. A direita fala para essas pessoas porque não tem escrúpulo algum em propor-lhes o que elas imaginam ser a solução do problema: menos imigração, mais cadeias, penas mais duras, mais autonomia de ação ao policial.

Por isso, as derrotas da social-democracia não podem ser vistas como episódios normais em sociedades que adotam o sistema de rodízio dos partidos no poder. Elas questionam a viabilidade das estratégias reformistas na era do capitalismo globalizado e demandam abertura para o exame de alternativas mais radicais. Contudo, não dá a impressão de que tenha sido esta a reflexão dos perdedores.

Carla Dozzi, Elisa Helena Rocha de Carvalho, José Juliano de Carvalho Filho, Thomaz Ferreira Jensen, do Grupo de São Paulo - um grupo de 10 pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ

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