sábado, 15 de julho de 2006

Entrevista


Tucanos e petistas preparam-se para o confronto nas urnas com planos de fazer da campanha deste ano um festival de retrospectivas. Enquanto o presidente Luiz Inácio da Silva se vale de um emaranhado de números para provar que os quatro anos do PT superaram os oito anos de Fernando Henrique, a oposição prepara um resumo dos piores momentos do escândalo que atingiu o governo.
Sem aprofundar o debate político, PSDB e PT continuam com uma inimizade que, na avaliação da cientista política Maria Lúcia Werneck Vianna, não passa de um artifício para marcar terreno nos latifúndios eleitorais.
Maria Lúcia observa que os partidos “primos” têm de se agarrar às críticas do comportamento ético-político dos integrantes de cada sigla, porque, na apresentação de propostas, não apresentam diferenças.
O mensalão seria o único ponto vulnerável a ser explorado pelo PSDB. Como o presidente Lula herdou de FH o programa de governo, os tucanos correm o risco de bradar olhando para um espelho. (Josie Jerônimo)
É positivo para o PSDB atacar o PT na campanha?
Admitir a estratégia de ataque mostra que o PSDB e o PT não têm projetos a serem confrontados. O PSDB não tem proposta alternativa a Luiz Inácio Lula da Silva porque o presidente deu continuidade ao governo Fernando Henrique Cardoso. Bater é a estratégia mais racional que o PSDB tem agora. Apresentar projeto alternativo ao PT é renegar o PSDB de FH.
Por que a crise não atinge o presidente Lula?
Em parte porque Lula não esgotou a capacidade de sedução em relação a alguns segmentos do eleitorado. Por outro lado, a alternativa da oposição não encanta. Mas por que não escolheram candidato melhor? Ou não existia outro nome, ou podem ter escolhido o
Geraldo Alckmin só para fazer figuração. Podem ter adiado o projeto de governo. Alguns líderes do PSDB se beneficiam com a reeleição de Lula, como o governador de Minas Gerais, Aécio Neves.
A presença de FH na campanha favorece Alckmin?
Os tucanos não podem descartar a presença de um presidente eleito para dois mandatos. Mas Fernando Henrique atrapalha um pouco. Menos pelo fato de ter sido presidente do que por ser vaidoso. O ex-presidente é muito autocentrado, passa por cima dos outros, é cheio de si. Os estrategistas da campanha não querem isso.
A atitude do presidente em desafiar o TSE ao conceder aumento a 1,5 milhão servidores revela fragilidade do Judiciário?
O presidente não está desafiando à toa. Não poderia perder uma base eleitoral forte que é o funcionalismo, adiando o aumento. Mas Lula está jogando um pouco com as interpretações dúbias do tribunal. O Judiciário está fraco, dividido, não tem clareza a respeito das regras. O presidente pode estar apostando nisso. É um confronto que não tende a se alargar. Ou o Judiciário recua, ou Lula recua. Não é interessante entrar em confronto com o TSE às vésperas da eleição e a Justiça não quer mostrar fragilidade.
O uso da máquina pública na reeleição pode ser evitado?
É inevitável. O estatuto da reeleição tem a idéia de permitir que o governo se prolongue. Esse instituto pressupõe que o candidato vai mobilizar o governo. Mecanismos de controle podem ser criados. Não poder inaugurar obras é uma regra. Então, o presidente vai vistoriar, o que dizer? Sendo presidente, não pode deixar de vistoriar obras. Precisaríamos de uma regra dizendo que é preciso licenciar-se do cargo. Mas isso contraria a característica da reeleição que é o prolongamento do governo.
Ainda existem diferenças entre PT e PSDB?
Não vejo nenhuma diferença substantiva. Olhando os dois partidos na origem, são legendas ditas da socialdemocracia domesticada. Até mesmo os dois candidatos. A única diferença é a trajetória pessoal de cada um. Enquanto Alckmin frisa a profissão de médico, dizendo subliminarmente que o Lula não é coisa nenhuma, o presidente quer se diferenciar pelo social.
O PT sofreu metamorfose quando se tornou governo?
Não. O PT começa como um partido antipolítica. Constituía-se muito mais para negar os canais tradicionais da política. Participou da Assembléia Constituinte e não assinou a Constituição. Quando chegou ao poder, demonstrou que nunca teve projeto e incorporou o partido primo, o PSDB.
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Maria Lúcia Werneck Vianna é professora da Pós-Graduação de Ciência Política da UFRJ e Diretora de Graduação do Instituto de Economia – IE/UFRJ.
Fonte: Jornal do Brasil, 2 jul. 2006.

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