quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Islamismo e política

A islamofobia vem crescendo e obscurecendo a capacidade de se compreender o que ela realmente esconde. Trata-se de um preconceito que reúne o ódio aos que têm uma religião com mais de um bilhão de adeptos ao velho racismo anti-árabe, anti-oriental e anti-negro.

Luís Carlos Lopes


A polêmica em torno do projeto de construção de uma mesquita em Nova York demonstra os desvairos do tempo presente. Prova que uma boa parte dos estadunidenses acredita que a religião muçulmana possa explicar o 11 de setembro de 2001. O povo protestando nas ruas a favor e contra o citado projeto e a forte espetacularização midiática sobre o caso comprovam como é fácil convencer as multidões com argumentos falsos e superficiais. Isto não é nenhuma novidade nos EUA e nem mundo afora. Comprova também que, mesmo neste país, esta questão está longe de estar pacificada.

A islamofobia vem crescendo e obscurecendo a capacidade de se compreender o que ela realmente esconde. Trata-se de um preconceito que reúne o ódio aos que têm uma religião com mais de um bilhão de adeptos ao velho racismo anti-árabe, anti-oriental e anti-negro. O sentimento islamofóbico vem, sendo há muito tempo, amplamente difundido pelas grandes mídias, especialmente, pela indústria cinematográfica dos EUA. Nos filmes de ação de péssimo gosto e clara intenção propagandística há, habitualmente, alguém identificável como muçulmano que representa o mal a ser combatido.

As raízes da islamofobia são muito antigas, as mesmas do anti-semitismo e dos mil e um preconceitos originados no cristianismo medieval. A velha Igreja demonizou judeus, árabes, asiáticos e negros que não possuíam a mesma fé, tratando-os como infiéis e subumanos. As Cruzadas foram movimentos comerciais e punitivos europeu-católicos em direção à Jerusalém. Nunca se viu os árabes, responderem na mesma moeda. É bem verdade, que o velho projeto expansionista árabe conseguiu permanecer na Europa por, aproximadamente, mil anos, notadamente na Península Ibérica. De lá expulsos, deixaram impressionantes marcas de uma cultura esplendorosa que uniu valores do Ocidente aos do Oriente.

Isto tudo foi esquecido e o cristianismo ocidental, de amplo uso político, dividiu o mundo entre contrários absolutos que navegaram até chegar no tempo presente. As manipulações político-religiosas serviram para as conquistas coloniais e para a justificação da dominação extrema de parcelas significativas da humanidade. Nelas, os nativos das Américas foram incluídos como os novos deserdados da Terra, estando em posição similar dos antigos inimigos da ordem ocidental. Os africanos, transformados em escravos durante mais do que 400 anos. O escravismo foi uma das mais significativas bases da acumulação de capitais. Esta possibilitou o surgimento da era industrial e do capitalismo moderno.

Hoje, o neocolonialismo coloca árabes, latino-americanos, africanos e asiáticos como fornecedores de matérias primas e mão-de-obra barata que alimentam as fornalhas do desenvolvimento industrial e da ordem econômica contemporânea. Ser branco, cristão e de origem européia foi, e continua sendo, um pré-requisito para dominar e se dizer que se tem a verdade inquestionável dos ‘eleitos’ como os donos do mundo. Estes são os que têm maior poder econômico e militar. São os que podem manipular, torcer a história e conduzir o desastre da guerra. Quem ousar se confrontar, mesmo que apenas no plano das idéias, estará sempre correndo o risco de ser esmagado.

A geografia humana atual da religião de Maomé é muito vasta indo do mundo árabe, onde nasceu no norte da África, subindo em direção ao que se chamava de Oriente Próximo e descendo até a África Central. A presença desta religião nestas vastas áreas testemunha o velho esplendor da cultura árabe que se expandiu a partir do século VII e eclipsou-se paulatinamente desde o século XII. O velho poder do Islão medieval não mais existe. Os países islâmicos são também nações com muitos problemas políticos, sociais e muita riqueza material, sobretudo o petróleo, amplamente exploradas pelo mundo ocidental.

A desigualdade social e a existência de modos de produção primitivos também marcam os países islâmicos. A existência de costumes bárbaros usados de modo aberto é um fato fortemente explorado pelas grandes mídias. Hipocritamente, o mundo ocidental ‘esquece’ que, apesar do seu amplo desenvolvimento econômico e cultural, a barbárie não foi erradicada e que parcelas expressivas da população a enfrentam em seu cotidiano. A presença de regimes ditatoriais, teocráticos e principescos é outra das características inegáveis dos países onde a fé em Maomé é hegemônica. A propaganda ocidental também ‘esquece’ que estes regimes são apoiados pelas nações mais ricas, quando isto lhes convêm. Não há nenhum interesse em lembrar a densa e trágica história de lutas internas contrárias aos regimes de força.

Não há nenhum registro de que as invasões e as pressões econômico-diplomáticas e militares ocidentais tenham contribuído para melhorar a situação de nenhum destes países. Ao contrário, estas pressões reforçaram o espírito teocrático que preside a vida em alguns destes países. Tem sido responsável pelo desenvolvimento do chamado fundamentalismo islâmico que prega uma luta sem tréguas ou limites éticos contra o Ocidente. Este movimento é minoritário e não pode ser confundido com a religião de paz e de auto-reflexão baseada em Maomé. Só ganhou visibilidade, após a tragédia de 2001 e das subseqüentes.

Outro problema é que os países islâmicos fazem parte do conjunto de nações que exportam seus filhos à busca de trabalho e de melhores dias. Por isso, a religião de Maomé está em toda parte do planeta e seu ciclo de expansão está longe de ter terminado. Estes imigrantes vão, principalmente, para suas ex-metrópoles, já que seus países foram colônias por décadas ou ainda funcionam como protetorados ou ‘quintais’ de alguns países ricos. Concentram-se maciçamente na América do Norte e na Europa Ocidental. Levam com eles sua religião, bem como, a perplexidade de ver seus países de origem sob forte pressão. Alguns poucos destes filhos da imigração aceitam as teses do fundamentalismo e se engajam em ações diretas. Eles dizem que agem em nome de Alá. Na verdade, suas razões são políticas e passam longe de problemas teológicos.

Do ponto de vista dos direitos humanos, o princípio de que todos são culpados e devem pagar é inaceitável. Não é exagero chamar estes movimentos de fascistas. Mas, isto também deveria valer para os que eliminaram mais de um milhão de iraquianos nos últimos cinco anos, em sua maioria, civis. O correto é que a mesma idéia fosse aplicada aos que matam para impor seu poder, atingindo, quase em todos os casos, a quem está no seu país, trabalhando ou simplesmente se transferindo de um lugar para o outro. Não há uma escala de valores defensável que diga que a vida de um muçulmano valha menos do que a de um ocidental.



Luís Carlos Lopes é professor e escritor.

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