quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O fantasma de 1964 em 2010

Por muito pouco, o governo Lula não fechou 2009 – ano de grandes conquistas pessoais e políticas para o presidente - tendo que administrar uma crise militar de grandes proporções.

Quase o fantasma de 1964 ressuscita em 2010.

O pedido de demissão conjunta do ministro da Defesa, Nélson Jobim, e dos comandantes militares, deu-se na terça-feira da semana do natal, em reação ao decreto que cria o Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê, entre outras coisas, a investigação dos atos de tortura cometidos por agentes do Estado durante a ditadura e abre espaço para revisão da Lei de Anistia.

Lula prometeu rever o ato. Mas, como não é a única iniciativa em curso dentro do seu governo com a mesma finalidade – a revisão da lei de Anistia ­-, o mal-estar sazonal que provoca na área militar está longe de ter sido superado. Senão, vejamos.

Há mais de um ano, os ministros Tarso Genro, da Justiça, e Paulo Vanucchi, da Secretaria de Direitos Humanos, iniciaram campanha pela revisão da Lei de Anistia.

A iniciativa foi encampada pela OAB, que inclusive ingressou com uma ação por descumprimento de preceito fundamental junto ao Supremo Tribunal Federal, considerando liminarmente excluídos dos benefícios da Lei de Anistia os agentes públicos que torturaram prisioneiros políticos sob sua guarda.

O STF ainda não julgou a ação.

Há duas semanas, Vanucchi elaborou anteprojeto de lei, que o governo enviará ao Congresso, criando a Comissão Nacional da Verdade, destinada a investigar – e punir - os crimes da ditadura, bem como a abrir os arquivos daquele período.

O decreto que cria o Programa Nacional dos Direitos Humanos foi uma espécie de gota d’água. A área militar considera intolerável que se remexa unilateralmente nos contenciosos daquele período.

Alega que também há os crimes da esquerda, sobre os quais não se fala, e que não faz sentido revolver as cinzas de uma guerra encerrada há mais de três décadas, onde as atrocidades teriam sido recíprocas.

Vanucchi e OAB alegam que não se quer mexer na Lei de Anistia, mas cumpri-la na integridade.

Ou seja, os agentes públicos que maltrataram adversários já rendidos e detidos não se encaixariam nos dispositivos da lei.

Teriam praticado crimes imprescritíveis contra a humanidade, nos termos da Constituição vigente. Portanto, precisam ser punidos.

Sem entrar no mérito da alegação, a iniciativa repõe em cena um conflito que a anistia encerrou. E a demissão sustada por Lula é prova disso.

Os militares alegam que a anistia, inclusive, beneficiou mais a esquerda que a direita, já que grande parte dos punidos – entre os quais, o próprio ministro Vanucchi – ocupam hoje cargos de destaque no Estado, enquanto seus adversários purgam melancólico ostracismo, alijados da vida pública.

O duelo promete atravessar 2010, embora sem chegar a mobilizar a opinião pública, já que se referem a fatos de quase quatro décadas atrás.

Pertencem à história, embora nem todos sejam de seu conhecimento, o que provocou por parte da OAB outra ação junto ao STF, pedindo a abertura dos arquivos da ditadura.

“Anistia não é amnésia”, repete o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, acrescentando que “um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la”.

Os militares, porém, não crêem que se queira apenas conhecer os fatos históricos, mas também puni-los. E volta-se à estaca zero do conflito.

No meio disso tudo, o ministro Nélson Jobim aproveita a carona para encontrar o pretexto que busca para deixar o governo Lula com algum alarido e engajar-se na campanha de José Serra, seu amigo, em cujo eventual governo espera encontrar alguma vaga no primeiro escalão.

Coisas da política.



Ruy Fabiano é jornalista

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